Em 2020, o podcaster Joe Rogan anunciou que trocaria a cidade de Los Angeles, na Califórnia, pelo Texas. A decisão de mudar de ares se deu então cerca de dois meses depois de Rogan assinar um contrato de 100 milhões de dólares com o Spotify, por volta de maio do ano passado.
O comunicador justificou a alteração de endereço em um dos episódios de seu show: "eu quero ir para um lugar no centro do país, onde seja mais fácil visitar as duas costas e onde é possível ter um pouco mais de liberdade". E concluiu: "Los Angeles está muito superpovoada".
Os argumentos podem soar plausíveis, mas a real motivação para a transferência de Rogan pode ser outra: impostos. Na Califórnia, indivíduos devem pagar 13,3% de imposto de renda, o mais alto do país. Assim, o novo "texano" teria de desembolsar mais de 13 milhões de dólares (68 milhões de reais) por conta de seu novo acordo com a plataforma de distribuição se ficasse em Los Angeles.
Já no Texas, ele estaria livre da cobrança. No estado comandado pelo republicano Greg Abbott, os moradores não precisam pagar impostos de renda estaduais, apenas federais, cujo valor máximo é de 37% para indivíduos.
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Outros milionários, entre eles Elon Musk, fundador da Tesla e segundo homem mais rico do mundo, seguiram os passos de Rogan, deixando para trás a ensolarada Califórnia e sua alta carga tributária.
Contra-ataque nos fujões
Ainda que não possa proibir a viagem, o governo da Califórnia pensa em pelo menos aplicar um "pedágio".
Proposta de lei que prevê um imposto que acompanha os endinheirados tem sido discutida para o estado. A ideia é cobrar 0,4% por ano daqueles que construíram, no estado, toda ou parte de uma fortuna superior a 30 milhões de dólares (157 milhões de reais).
"Acho que isso mitigaria, sim, o problema das mudanças de endereço, e acho isso bastante justo", disse ao Brasil de Fato o empresário e ativista Morris Pearl.
Ele já foi diretor da BlackRock, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, e hoje atua como conselheiro na Patriotc Millionaires (Milionários Patriotas), uma organização composta por – veja só – milionários que defendem uma tributação mais justa com vistas em uma melhor distribuição de renda.
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De acordo com Pearl, Nova York também discute uma proposta semelhante, o que não é muito diferente do que já ocorre em nível federal.
"Se um milionário tentar deixar o país e abrir mão de sua cidadania americana, ele sofrerá um enorme impacto fiscal. Assim, acho que é justo pensarmos em medidas semelhantes para âmbito estadual. Não se pode enriquecer em um lugar, depois mudar-se dali e achar que não vai mais contribuir com a sociedade", diz.
Mesmo ciente das notícias de que Rogan, Musk, e outros poderosos trocaram de endereço por motivos fiscais, Pearl acredita que isso não seja uma boa justificativa para barrar o aumento dos impostos ou por em discussão a "Exit Tax" (Taxa de Saída), como ficou conhecida essa cobrança itinerante.
Pearl diz que há mais milionários se mudando para cidades como Los Angeles e Nova York do que fugindo delas, e, no final das contas, quase ninguém escolhe sua cidade de residência pensando em impostos, "até porque, na maioria dos casos, a tributação não muda em nada a vida de quem tem tanto dinheiro assim".
Mas se os impostos não interferem no lifestyle desses indivíduos, eles impactam demais o coletivo. Por exemplo, de acordo com estudo do Americans for Tax Fairness (Americanos por uma Taxação Justa) feito em 2009, quase 1,5 mil famílias declararam ter recebido mais de 1 milhão de dólares no ano fiscal daquele ano, mas não pagaram sequer 1 centavo em impostos sobre esse montante.
Isso ajuda a entender porque hoje 1% dos americanos controlam 35% da riqueza nacional, enquanto 80% da população na camada mais baixa da pirâmide social têm apenas 11% da riqueza.
Um dos remédios mais eficazes para o combate dessa desigualdade epidêmica é a mudança na taxação de grandes fortunas – e isso não é uma descoberta recente. Na década de 1950 e 60, quando os Estados Unidos gozavam de pleno crescimento, seus cidadãos contribuíam com até 91% de sua renda, número que hoje não passa de 40%.
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"Parte desse problema é que pessoas como eu, que obtêm renda através de dividendos e ações, não têm que pagar impostos como uma pessoa assalariada. Um trabalhador vê o imposto sendo descontado na fonte, enquanto eu tenho margem para driblar certas cobranças. Isso significa que, ainda que ganhemos as mesmas coisas, o meu poder aquisitivo é maior, simplesmente porque eu não tenho que arcar com a mesma taxação", explica Morris.
No final das contas, o empresário e ativista confessa que aceita apenas um único argumento nessa discussão de impostos: "'se você me taxar mais, eu vou ter menos dinheiro'. Esse argumento é válido, porque é verdadeiro – você vai ter mesmo menos dinheiro, mas está tudo bem. Acho certo que seja assim, sobretudo porque essa medida afetaria apenas umas 2 mil pessoas, que não é nem 1% da população do país".
Edição: Arturo Hartmann