A infecção pelo coronavírus ou a dificuldade de conseguir um trabalho em um momento em que o desemprego atinge 14,4 milhões de pessoas no Brasil poderiam figurar entre as maiores preocupações das mulheres no estado de São Paulo.
No entanto, no topo dessa lista está a inquietação com a violência praticada contra as mulheres que está bastante conectada com a crise sanitária e econômica.
É o que mostra a pesquisa sobre violência contra a mulher realizada pelo JUSBarômetro, da Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis), divulgada nesse mês de setembro. A partir de 1000 entrevistas com uma amostra representativa da população adulta de mulheres do estado de São Paulo, o estudo tem um nível de confiança de 95,5%.
De acordo com a pesquisa, 88% das mulheres em São Paulo percebem que o problema está aumentando e 69% tem a violência dentro de casa como sua principal preocupação.
A casa, aliás, é destacada por 66% delas como o local privilegiado das agressões e 63% apontam o ex ou atual companheiro como autor das violências.
Covid-19 e violência de gênero
Vanessa Mateus, presidenta da Apamagis e uma das autoras da pesquisa, em entrevista ao Brasil de Fato destaca que durante a pandemia de coronavírus a violência sexista se intensificou.
"Tem um aumento decorrente do uso de álcool, do maior tempo sob o mesmo teto, da perda de emprego, tudo isso faz com que o ambiente doméstico passe a ser mais explosivo", caracteriza a juíza em entrevista ao Brasil de Fato.
É o que alerta o Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) de março de 2021. E também, para voltarmos ao contexto do Brasil, um estudo da Conferência Nacional dos Municípios que destaca como, durante a pandemia, as agressões às mulheres aumentaram 20% em 2.383 das cidades brasileiras pesquisadas.
A (pouca) busca por órgãos institucionais
A escassez da procura por órgãos oficiais depois de sofrer violência é grande, ao que constatou o JUSBarômetro. Nos casos em que as entrevistadas sofreram, testemunharam ou tomaram conhecimento de violências domésticas, apenas 29% optou por ir atrás de ajuda institucional.
Apesar de o "medo" ter aparecido para 73% das mulheres como a causa pela qual não priorizam órgãos oficiais, outros dados levantam elementos relevantes sobre essa questão.
Entre as cobranças por melhorias dos atendimentos públicos às mulheres que passam por violência, 42% das paulistas sentem falta de maior empatia e sensibilidade por parte de profissionais e 40% reclamam maior capacitação de policiais.
Diante dessas percepções, não é de se espantar que 24% das mulheres em São Paulo - uma taxa similar àquelas que vão aos órgãos oficiais - preferiram buscar apoio entre pessoas próximas.
A assistente social Bia Volpi e a psicóloga Alinie Georgeto, ambas da Associação Fala Mulher, destacam as diversas maneiras pelas quais mulheres são revitimizadas depois que sofrem violência.
"Pela repressão, pela culpa, pela cobrança para atender aos padrões estabelecidos", elencam. Daí, explicam as integrantes da Associação, "a necessidade de ficarem em alerta em tempo integral como meio de se protegerem, não somente na rua, mas também dentro de suas próprias casas".
Para Vanessa Mateus, mais do que simplesmente relacionado ao ato de fazer uma denúncia, o medo relatado pelas entrevistadas decorre da falta de confiança numa pronta resposta institucional. "O medo da represália, da volta, da reincidência", exemplifica, ao defender que "é primordial que as instituições deem respostas".
"Um problema civilizatório"
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas nos dois primeiros meses de pandemia no Brasil - março e abril de 2020 -, os feminícidios no Estado de São Paulo cresceram 41,4%.
Para Volpi e Georgeto, as medidas para reverter o quadro de agravamento das violências de gênero passam por "oportunidades de trabalho com salário, salubridade e segurança; políticas públicas para as mulheres; educação com mais vagas para as crianças, segurança nas comunidades, atendimento de qualidade na saúde; e benefícios que garantam os direitos das mulheres".
Também questionada sobre possíveis caminhos, a presidenta da Apamagis destaca dois que considera evidentes.
"O primeiro é a gente ouvir as respostas dessas mulheres que pedem mais empatia, sensibilidade e capacitação no atendimento", resume.
E o segundo, o envolvimento amplo da população na questão. "A hora que a gente fizer com que a sociedade civil entenda que isso não é um problema familiar, doméstico", argumenta Vanessa Mateus, "mas que isso é um problema civilizatório, aí eu tenho certeza que a gente vai melhorar essa questão estrutural".
Edição: Anelize Moreira