Mais de 680 quilômetros do sistema rodoviário BR-381/262/MG/ES será entregue para a iniciativa privada ainda neste ano.
O edital de concessão, publicado no início de setembro pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), prevê a exploração da infraestrutura e a prestação de serviço público por 30 anos, com contrato prorrogável por mais cinco. A concessão envolve o trecho da BR-381, de Belo Horizonte a Governador Valadares, e a BR-262, entre João Monlevade e Viana, cidade do Espírito Santo. O leilão está agendado para o dia 25 de novembro.
O lançamento do edital foi comemorado em cerimônia no Congresso Nacional, com a participação do ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas, dos governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), além de deputados federais e senadores dos dois estados.
A notícia pode parecer um alívio, já que esse trecho é conhecido como “rodovia da morte”, devido às péssimas condições da estrada, o alto fluxo de caminhões e o grande número de acidentes. A BR-381, que também tem o trecho que liga Belo Horizonte à São Paulo, é a rodovia com o maior número de acidentes registrados em 2020, com um total de 2.145 acidentes com vítimas, conforme o Painel de Acidentes Rodoviários, elaborado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Pedágio
No entanto, para Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), alerta que a concessão é um modelo de gestão privada e que, na verdade, quem paga o investimento é a população, por meio dos pedágios. Ou seja, ao invés do Estado utilizar os impostos e recursos públicos para garantir a qualidade e a segurança das estradas, entregam para as empresas que acabam por arrecadar recurso dos pedágios.
“Não é que a privatização seja a solução. A gente tem como contraponto os ônibus que são privatizados e são ruins. A gente questiona a explicação que se faz de que a concessão seria uma mágica que melhora e traz dinheiro. Não é. Se o contrato for ruim, vai ficar caro”, avalia.
Pode parecer um alívio, mas quem vai pagar é a população
Segundo informações da ANTT, o valor máximo das tarifas das praças de pedágio, que podem ser cobrados pela concessionária, variam de R$ 7,62 a R$ 9,17. A licitação será realizada na modalidade de concorrência, ou seja, por meio de leilão, com participação internacional, a partir do novo critério de modelo híbrido, que considera o valor da tarifa básica de pedágio e maior outorga como critério de desempate. O principal critério de julgamento do leilão será a menor tarifa.
A expectativa, segundo Marcello Costa, secretário nacional de transportes terrestres do Ministério de Infraestrutura, é que haja uma “disputa entre os interessados”. “Este complexo é um dos mais importantes eixos de logística de cargas e de transporte de passageiros da região centro-sul do país”, disse. A pecuária, agricultura, mineração e a siderurgia, segundo a ANTT, serão, serão setores beneficiados com a concessão.
Nessa linha, Rafael aponta mais um limite dos processos de privatização: as classes mais pobres não são ouvidas ou consideradas, sobretudo quando se fala em tarifas tão caras de pedágio. “Tanto quem não consegue pagar a tarifa do busão quanto quem não consegue pagar o pedágio não são ouvidos. Fica minimizado o impacto ruim e supervalorizado o impacto bom. Aí é fácil ficar no discurso de que privatizar é uma mágica”, aponta.
Ponderações
Para Rafael Ribeiro, professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais, embora os processos de privatização desencadeados por Paulo Guedes, como o da Eletrobrás, e os almejados por Romeu Zema em Minas Gerais, como a Cemig e a Copasa, sejam criticados por muitos especialistas, no caso das rodovias, as experiências não têm sido tão negativas.
Segundo ele, o contrato de concessão do sistema rodoviário BR-381/262/MG/ES pode trazer benefícios para a população e para a economia de Minas Gerais, já que pode facilitar o escoamento de produtos e mercadorias de diversos setores. No entanto, para o economista, a grande questão é a ausência de um debate sério sobre regulação do serviço público.
Se não for muito bem regulado no contrato, a empresa privada vai priorizar o lucro
“Normalmente, quando se concede o serviço para a iniciativa privada, se isso não for muito bem regulado no contrato de concessão e tiver formas e mecanismos para monitorar, como as agências reguladoras, o que acontece é que a empresa privada vai priorizar o lucro em detrimento da qualidade do serviço. No caso da concessão de estradas, tem dado certo na maioria das experiências, porque se consegue manter o subsídio cruzado”, argumenta.
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O subsídio cruzado aparece, nesse caso, no processo de concessão de uma via rentável, como a BR-381, mas com o investimento embutido no valor do pedágio em uma via que não é tão rentável, no caso a BR-262, conseguindo manter ambas com a mesma qualidade. Segundo o economista, em situações de privatização de serviços como energia e saneamento, o subsídio cruzado deixa de existir, na medida em que as empresas acabam priorizando as localidades mais lucrativas, o que pode piorar o fornecimento em municípios menores, por exemplo.
Valores divulgados
A previsão divulgada é que sejam aplicados R$ 7,37 bilhões para as obras e cerca de R$ 6 bilhões para custos de operação, sendo que a Taxa Interna de Retorno é de 8,47%. Segundo o professor de economia Rafael, essa taxa é como se fosse o lucro da concessionária e tem um valor razoável, condizente com a média de outros setores.
Entre as principais mudanças estão 402 quilômetros de duplicação, 228 quilômetros de faixas adicionais, 131 quilômetros de vias marginais, 40 passarelas e o contorno de Manhuaçu. Segundo a ANTT, a estimativa é de que a concessão gere mais de 100 mil empregos diretos e indiretos.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida