México

Após 7 anos, famílias de desaparecidos de Ayotzinapa cobram governo e investigação de militares

Marcha exigindo justiça e respostas sobre os 43 normalistas reúne milhares de pessoas no centro da capital mexicana

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Em ato dos 7 anos do caso de Ayotzinapa, manifestante denuncia envolvimento do exército e do ex-procurador mexicano, atualmente foragido, Tomas Zerón - Claudio Cruz / AFP

"Onde estão?". A pergunta segue sem resposta desde 26 de setembro de 2014 e ressoou, uma vez mais, com milhares de pessoas marchando ao lado das mães e pais de Ayotzinapa no centro da capital mexicana neste domingo (26). 

No marco dos sete anos desde que 43 estudantes da Escola Normal Rural "Raul Isidro" de Ayotzinapa, no estado mexicano de Guerrero, foram atacados por forças do Estado e desapareceram, movimentos e familiares denunciam o pouco avanço da investigação sob o governo de centro-esquerda de Andréz Manuel López Obrador (AMLO).

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Uma das demandas é pela apuração do envolvimento do exército mexicano no caso. E, como podia ser lido em uma das faixas do ato, movimentos e familiares não descansarão "hasta encontrarlos".

Apesar de mais de 100 pessoas já terem sido detidas por suposto envolvimento no caso, não há ainda qualquer explicação nítida sobre o paradeiro dos normalistas ou os responsáveis pelo evento. As apurações levantam suspeitas da participação de distintas instâncias estatais, tais como corporações policiais, membros do executivo e do Exército mexicano.

"O governo anterior realizou uma investigação que teve como fim ocultar a verdade e encerrar o assunto  Ayotzinapa", afirmou ao Brasil de Fato o advogado dos familiares, Vidulfo Rosales, se referindo ao mandato do direitista Enrique Peña Nieto (PRI), que esteve à frente da presidência do México entre 2012 e 2018. 

Ao tomar posse em 2018, com um discurso para se diferenciar de seu antecessor, López Obrador criou uma comissão para tratar do caso Ayotzinapa e estabeleceu reuniões periódicas com as famílias. No Ministério Público, Omar Gómez foi nomeado como promotor encarregado do caso. 

Gómez é tido como próximo dos integrantes do GIEI (Grupo Interdisciplinario de Expertos y Expertas Independientes), um conjunto de investigadores independentes indicados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 

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Ponderando que houve alguns avanços desde que  López Obrador assumiu a presidência do México, Vidulfo salienta que as ações têm sido "insuficientes para que se faça conhecer a verdade": "Existem instituições dentro do atual governo que obstaculizam as investigações e inclusive têm um nível de participação nos fatos". 

Ao mencionar a morte recente de dois dos pais das vítimas de Ayotzinapa (Saúl Bruno García e Bernardo Campos), o advogado alerta para uma deterioração vertiginosa da saúde dos familiares que, no entanto, seguem incansáveis na exigência de explicações. 

"Foi o Estado que desapareceu com os 43 e assassinou três estudantes, e é o Estado que deve dar respostas sobre onde estão nossos filhos", afirmou ao Desinformémonos Cristina Salvador, mãe de Benjamín Bautista, durante protesto de travamento de rodovia realizado dias antes de se completarem os sete anos do caso. 

Três estudantes identificados e poucas perguntas respondidas

Até o momento, a Procuradoria Geral da República (FGR) do México identificou três dos 43 estudantes que desapareceram na noite de 26 de setembro de 2014 na cidade de Iguala. 

Foram os restos de Alexander Mora, encontrados de maneira pouco esclarecida no Rio San Juan e no terreno de Cocula em 2014; e os de Christian Rodríguez e de Jhosivani Guerrero de la Cruz, descobertos respectivamente em 2020 e 2021, ambos em um barranco chamado La Carnicería. 

O local fica a cerca de 1km de Cocula, área que figura na versão que o governo Peña Nieto tentou emplacar, que ficou conhecida como "verdade histórica" pelo fato de o procurador na época, Murillo Karam, ter usado literalmente esse termo.

Segundo eles - com base em confissões de integrantes da facção Guerreros Unidos que foram presos -, os estudantes teriam sido entregues por policiais a essa facção que, os confundindo como membros de um grupo rival, os teriam executado, incinerado seus corpos no lixão de Cocula e atirado seus restos no Rio San Juan.

Questionada pelos familiares e desmentida cientificamente pelos peritos independentes do GIEI, a versão perdeu a pouca sustentação que tinha quando, em 2018, o Alto Comissariado das ONU para os Direitos Humanos publicou um relatório denunciando que ao menos 34 detidos nas investigações haviam feito as confissões sob tortura. Na época, o titular da investigação era Tomáz Zerón, hoje em Israel, foragido da Justiça. 

Em entrevista ao El Universal, Don Emiliano Navarrete, pai de José Ángel, expressa insatisfação ao dizer que a identificação de dois jovens durante o governo AMLO não trouxe, ainda, explicações concretas.

"Como foram parar ali esses pequenos fragmentos? Quando? Isso é um avanço? Para mim não. Para mim, é saber quem foi que realmente jogou ali aqueles fragmentos, quem lhes tirou a vida, como aconteceu", afirma.  "Não há diferença do governo anterior para o governo atual e é desesperador para nós", resumiu Navarrete ao Desinformémonos


Milhares de pessoas protestaram nesse domingo (26) no centro do DF, capital do México / Claudio Cruz / AFP

Envolvimento do exército mexicano no caso Ayotzinapa

Entre as muitas demandas que há sete anos se arrastam por parte das mães e pais de Ayotzinapa, está o de que as investigações se debrucem sobre o envolvimento de militares no ataque aos normalistas - notadamente os do 27° Batalhão da Infantaria da cidade de Iguala. 

Levantamentos do GIEI, depoimentos de estudantes sobreviventes e de testemunhas atestam a presença de membros deste Batalhão do Exército nos acontecimentos de 26 de setembro de 2014 - em patrulhas, presencialmente em distintos locais onde aconteceram os ataques, no hospital onde interrogaram normalistas e fazendo fotos e vídeos. 

Em novembro de 2020 foi feita a única detenção de um integrante da corporação: o capitão José Martínez Crespo, responsável por chefiar o 27° Batalhão da Infantaria na ocasião. Ele responde pelas acusações de "delinquência organizada com finalidade de cometer delitos contra a saúde", "homicídio" e "desaparição forçada".

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Anabel Hernández é uma jornalista investigativa mexicana e acompanha o caso de Ayotzinapa de perto desde o início. Do vasto material que coletou, incluindo vídeos que provam a presença de militares naquela noite, uma parte foi entregue a ela por uma testemunha ocular chave, o também jornalista Pablo Morrugares. Diretor da PM Notícias, Morrugares foi assassinado em agosto do ano passado

Na opinião de Hernández, expressa em sua coluna no Contracorrientes, a despeito da detenção de Capitão Crespo, há três fatores que põem em risco a possibilidade de que respostas do caso Ayotzinapa sejam alcançadas - explicações que para ela, passam por elucidar o envolvimento das Forças Armadas nos desaparecimentos.

O primeiro fator destacado pela jornalista é o fato de que o processo judicial de Crespo corre na Justiça Militar mexicana.

O segundo é que, na cadeia de comando das Forças Armadas, um dos militares de alta patente que, segundo a jornalista, deu ordens na noite em que os estudantes desapareceram, foi o agora general Alejandro Saavedra. Desde o início do governo de López Obrador, Saavedra ocupa o cargo de diretor do Instituto de Seguridade Social para as Forças Armadas Mexicanas. 

Para Hernández o terceiro fator está no fato de que, na noite dos ataques aos estudantes, quem ocupava o cargo de comandante máximo do Exército, como secretário de Defesa Nacional, era Salvador Cienfuegos. 

Pivô de uma rusga diplomática entre México e Estados Unidos, Cienfuegos foi detido em Los Angeles em outubro de 2020 pela DEA (agência antidrogas dos EUA), acusado de vínculos com o narcotráfico. Após negociar com o então governo Trump, López Obrador conseguiu a deportação de Cienfuegos ao México. 

Em janeiro deste ano, a Procuradoria Geral da República do México afirmou não procederem as acusações estadunidenses contra o general Cienfuegos. O presidente López Obrador, por sua vez, declarou que "apoia, endossa e respalda" a decisão. 

"Cienfuegos mentiu ao Congresso mexicano em outubro de 2014 quando assegurou que nenhum militar - nem um único - havia tomado conhecimento dos fatos ocorridos em Iguala e nem havia participado", relembra Hernández em sua coluna. "Afirmou inclusive que o 27° Batalhão da Infantaria estava vazio porque estariam fora da cidade fazendo outras atividades", denuncia.

Questionado sobre como vê a linha investigativa centrada no envolvimento dos militares, Don Emiliano Navarrete responde que se surpreende com "a superioridade que tem esse corpo de segurança diante do governo federal". Em sua visão, "são quase intocáveis". 

Relembre o caso

O ataque contra os normalistas de Ayotzinapa aconteceu entre 26 e 27 de setembro de 2014, no estado de Guerrero. Naquela noite, os estudantes deixaram a área rural onde fica a escola e foram para a cidade de Iguala com o objetivo de se apropriar de ônibus de linha com os quais pretendiam viajar até a cidade do México. Queriam participar da manifestação anual que acontece lá em 2 de outubro, em memória ao massacre de Tlateloco, quando a polícia assassinou centenas de manifestantes em 1968.

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O preparo para participar de um protesto contra a violência do Estado se tornaria no emblema recente mais brutal da permanência desse problema no México. Os cinco ônibus dos estudantes foram interceptados e alvejados pela polícia. Nessa noite morreram, baleados, três estudantes e três transeuntes. Dezenas de normalistas foram filmados sendo colocados à força em carros da polícia. Os 43 estudantes raptados nunca mais apareceram.

"São sete anos de resistência exigindo ao Estado mexicano que resolva e encontre nossos estudantes", afirmou o coletivo da Mães e Pais de Ayotzinapa em declaração pública nesse domingo (26). "Não tivemos avanços, mas não deixaremos de exigir que nos digam o paradeiro de nossos filhos", salientaram as famílias, terminando com o grito de ordem que já se faz clássico. "Se vivos os levaram, vivos os queremos!".

Edição: Arturo Hartmann