Cinema

‘Parque Oeste’: sangue, luta e memória se mesclam em filme que resgata despejo violento em GO

Lançado recentemente, documentário mistura imagens atuais e históricas e tem como protagonista personagem da vida real

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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"Tem gente que fala assim ‘você é resistência’. Eu falo que não sou resistência porque gosto, e sim porque me colocaram nessa posição", desabafa Eronilde Nascimento - Descoloniza Filmes/Divulgação

Tema recorrente e histórico nos noticiários do país, a luta popular por moradia ganhou mais um registro cinematográfico, desta vez por meio do documentário “Parque Oeste”, que reconstrói o enredo da sangrenta desocupação da comunidade Sonho Real, na zona periférica de Goiânia, ocorrida em 2005.  

Lançado neste mês de setembro em plataformas digitais, o filme foi produzido em 2019 e reedita a trama que levou ao despejo violento de mais de 3 mil famílias, resultando em um balanço de 800 pessoas detidas, 16 feridos e três mortos.

Entres estes últimos estava, por exemplo, Pedro do Nascimento, marido de Eronilde Nascimento, a protagonista do filme e personagem da vida real da comunidade atingida.

Passados 16 anos do ocorrido, o despejo ainda é sinônimo de dor e angústia no coração da militante, que converteu a aflição do momento em energia de luta e hoje a ajuda a contar a história do massacre por meio do cinema.

 “É o sistema o grande vilão de tudo isso. A gente tem um sistema preparado pra moer pobre, pra matar, exterminar, negar direitos. A gente tem uma polícia, que é a mão armada do Estado, preparada pra isso também”, atribui Eronilde, que hoje preside o Instituto Memória e Resistência, organização social que reúne sobreviventes do despejo.


Marcado pela intransigência, despejo desalojou mais de 3 mil famílias, resultando em um balanço de 800 pessoas detidas, 16 feridos e três mortos / Descoloniza filmes/divulgação

“Tem gente que fala assim ‘você é resistência’. Eu falo que não sou resistência porque gosto, e sim porque me colocaram nessa posição”, desabafa a ativista, ao dar a senha da força que marca a atuação dos moradores e percorre toda a narrativa do filme.

Marcado pelas cenas de violência que caracterizaram o conflito, o documentário mistura imagens atuais com registros feitos no período, em uma mescla que se confunde com as próprias memórias de Eronilde a respeito daquele desafortunado 2005.

“Eram 13 mil pessoas, que foram tiradas em menos de uma hora, e eu penso que isso foi o tiro no pé que eles deram. Eles pensaram que iriam entrar aqui, a polícia iria matar, ia derrubar tudo e cada um iria pra um canto, mas não foi”, narra a militante em uma cena do documentário.

Ela conta ao Brasil de Fato que valoriza a produção do filme por se tratar de um registro artístico que, baseado na realidade dos fatos, ajuda a materializar as recordações do período. Os moradores da área, que hoje vivem em outro local por conta do despejo, queixam-se de ofuscamento do caso pela mídia tradicional da época. 

 “Quando eu topei participar do documentário, topei porque entendi que era importante essa memória. A gente já luta há muito tempo, e uma das nossas lutas é por justiça e memória. Então, o filme iria ajudar muito na memória, e a memória é também uma forma de a gente lutar por justiça, pra que não se deixe esquecer.” 


Cavalaria da PM foi utilizada durante despejo da comunidade Sonho Real, marcado pela truculência dos agentes e pela resistência dos moradores / Descoloniza filmes/divulgação

Para quem se dedicou a pensar e arquitetar o documentário, o trabalho é uma forma de potencializar a ressonância da história, abrindo caminho para transformações sociais que se deem a partir de uma popularização do debate sobre o tema do direito à moradia.  

“O cinema é a ferramenta que eu tenho de trabalho, que uso pra poder, talvez, tentar lidar com aquilo que a gente não pode mudar de alguma forma, mas levar isso pra mais pessoas através do filme, dos festivais”, diz a diretora, Fabiana Assis. Ela se queixa dos enredos enviesados – predominantes nos meios de comunicação empresariais – a respeito da luta por moradia.

“Se contrapor a isso é um dos papéis do cinema também. É criar narrativas que a gente não acessa pela mídia hegemônica e convencional. É mostrar outros pontos de vista sobre determinados fatos, indo além”.

Como resultado da determinação e da valentia dos que se dedicaram a montá-lo, o filme alargou os próprios horizontes: em 2019, ganhou o prêmio “Sequência” na 3ª Mostra Sesc de Cinema, em Paraty (RJ), e foi exibido no Festival Brésil en Mouvements, em Paris, na França.

No ano seguinte, foi exibido também no Museu da Imagem em Movimento, em Nova Iorque, Estados Unidos. No meio do caminho, o documentário faturou ainda menções honrosas em mostras de cinema em São Paulo e no Rio de Janeiro.

As plataformas de acesso ao documentário são divulgadas na página: http://www.descolonizafilmes.com/portfolio-item/parque-oeste/  

O público pode conferir um aperitivo do filme por meio da visualização do trailer, disponível abaixo:

 

 

 

 

 

Edição: Anelize Moreira