O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, afirmou em comunicado na segunda-feira (27) que está buscando permissão para abrir uma investigação sobre supostas violações dos direitos humanos e crimes de guerra no Afeganistão, sem considerar o possível envolvimento dos Estados Unidos e seus militares.
A decisão de excluir as forças dos EUA da investigação gerou críticas, com alguns chamando a medida de uma tentativa de “justiça seletiva”.
De acordo com Karim Khan, o foco da investigação seria o Talibã e o Estado Islâmico da Província de Khorasan (ISIS-K) e o objetivo é “desviar a prioridade de outros aspectos nesta investigação”. A decisão de encerrar a investigação contra as tropas estadunidenses foi justificada com os recursos limitados do TPI. Khan também afirmou que tal investigação focada aumentaria as chances de condenação.
O pedido foi apresentado na Câmara de Instrução do TPI nos termos do artigo 18 de seu estatuto. Depois de reunir registros por 15 anos, o TPI abriu uma investigação sobre supostos crimes de guerra no Afeganistão no ano passado. No entanto, a apuração foi suspensa após a alegação do então governo afegão de que abriria sua própria investigação sobre os supostos crimes.
Karim Khan afirmou que após a tomada do poder pelo Talibã, uma investigação justa sobre as violações dos direitos humanos pelo próprio governo afegão não seria possível.
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Justiça seletiva
Especialistas em direito internacional e ativistas criticaram a decisão de encerrar a investigação contra as tropas dos EUA. O vice-presidente dos Canadenses por Justiça e Paz no Oriente Médio, Michael Bueckert, chamou a decisão de “justiça seletiva” e afirmou que ela faz o TPI parecer "apenas uma ferramenta do império”.
Antes de a Câmara de Recursos do TPI conceder permissão para investigação em março do ano passado, um relatório do TPI de 2016 observou que "há uma base razoável para acreditar que crimes de guerra de tortura e outros maus-tratos foram cometidos pelas forças militares dos EUA destacadas para o Afeganistão e em instalações de detenção secreta operadas pela CIA, principalmente no período 2003-04, embora supostamente continuando em alguns casos até 2014.”
Críticos também chamaram a iniciativa de investigar crimes de guerra no Afeganistão, sem o papel das tropas dos EUA, de um “pedido de desculpas” do TPI por sua incapacidade de causar um impacto real sobre aqueles que cometem violações dos direitos humanos e crimes de guerra.
Katherine Gallagher, do Centro de Direitos Constitucionais, disse que a ação do TPI é uma validação do "manual de atrasos e intimidação” dos EUA e cria um exemplo a ser seguido por outros violadores de direitos humanos.
O Centro de Direitos Constitucionais também disse que se a decisão de desconsiderar o papel das forças dos EUA em crimes de guerra for mantida, "o TPI - o último recurso para aqueles que não têm justiça em outros lugares - terá praticamente garantido que as vítimas de tortura e outros crimes cometidos por funcionários dos EUA terão sua reparação negada.”
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O TPI abriu uma investigação sobre supostas violações dos direitos humanos e crimes de guerra cometidos pelos EUA e seus inimigos no Afeganistão em junho de 2020. Em setembro, o governo de Donald Trump impôs sanções ao então promotor-chefe do TPI, Fatou Bensouda, e sua assistente Phakisa Mochochoko, impedindo-os de entrar nos Estados Unidos e negando cooperação na investigação.
Os Estados Unidos não fazem parte do TPI, que foi formado em 2002 para investigar crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade em países em que as autoridades não o fizerem. 123 países ratificaram o tratado para estabelecer o TPI.
Milhares de civis foram mortos e feridos em ataques realizados pelos EUA e outras tropas estrangeiras no Afeganistão durante sua presença de duas décadas no país. Os países finalmente deixaram o Afeganistão no mês passado.