Na literatura brasileira, certos apelidos ficaram famosos: o “Príncipe dos Poetas” era Bilac; a “Hermética”, Clarice; o “Poeta Menor”, Bandeira; o “Poetinha”, Vinicius; e o “Boca do Inferno”, Gregório de Matos. Machado de Assis recebeu o mais célebre desses epítetos, o “Bruxo do Cosme Velho”, sendo Carlos Drummond de Andrade, o “Gauche”, apontado frequentemente como seu inventor. Trata-se, no entanto, de um equívoco que acabou se popularizando e até hoje é repetido.
“Devo reconhecer (...) que não me cabe a paternidade da apelação 'bruxo do Cosme Velho’, dada a Machado de Assis”, confessou o poeta mineiro na crônica de 11 de setembro de 1964, no Correio da Manhã. Era uma resposta à referência que, meses antes, o acadêmico Alceu Amoroso Lima lhe fizera no discurso de saudação a Gilberto Amado na Academia Brasileira de Letras:
“Mas de um despojamento diverso, igualmente, do empregado pelo ‘bruxo do Cosme Velho’, como o denominou Carlos Drummond de Andrade no seu poema imortal”.
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No entanto, antes de Drummond, o poeta gaúcho Augusto Meyer já havia usado o tal apelido, mas também não era o criador do epíteto. Ao ser consultado por Drummond, Meyer lhe contou que outro gaúcho, o crítico literário Moysés Vellinho, em “um momento de inspiração”, já o tinha registrado em um “antigo ensaio integrado em livro”.
O livro era Letras da província, lançado pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, em 1944. Na p. 46, o crítico comenta (sobre o próprio Augusto Meyer, um “machadiano” ferrenho):
“Convicções novas rondavam-lhe o espírito, impondo-lhe o dever de penitenciar-se de um pecado tão gave quanto fora grande a delícia que nele sentira – o pecado de haver mergulhado os sentidos e o pensamento nos perigosos filtros que o bruxo do Cosme Velho sabia propinar com arte sorrateira e amável.”
Daí, pois, é justo que se reconheça: a Vellinho o que é de Vellinho.
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Ainda assim, não se pode negar que o apelido só se popularizou com a publicação do poema de Drummond “A um bruxo com amor”, em 28 de setembro de 1958, no Correio da Manhã, e republicado depois, com alterações, no livro Poemas, de 1959. Curiosamente, no poema não aparece a expressão “bruxo do Cosme Velho”, apenas as palavras “bruxo” e “Cosme Velho” em versos separados.
Por fim, vale um reconhecimento: o primeiro a divulgar o apelido na imprensa foi o jornalista alagoano Valdemar Cavalcanti, em pelo menos três ocasiões, na coluna literária de O Jornal, nos últimos meses de 1958. A partir daí, o “Bruxo do Cosme Velho” passou a se confundir com o nome de Machado de Assis.
*C. S. Soares é escritor e jornalista.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Eduardo Miranda