Reescrever a história para que nenhum ponto seja final: a prevenção ao suicídio é um desafio global, e setembro é o mês de reforçar essa luta no Brasil e nos Estados Unidos. Apesar de serem países diferentes e com diversas particularidades, ambos estruturam campanhas em prol da saúde mental e do combate ao suicídio.
No caso dos EUA, o assunto é urgente já que o suicídio é a décima causa mortis mais comum no país, mas é a segunda entre a população jovem.
"Muita gente pensa que países mais ricos dispõem de mais recursos para prevenir o suicídio entre a sua população, mas, infelizmente, o que temos visto é que essa não é uma questão prioritária para algumas das maiores nações do mundo", avalia a médica Holly Wilcox, professora da John Hopkins Schools of Medicine and Public Health.
Parte do desafio em se estruturar uma abordagem compreensiva e eficiente para a prevenção do suicídio tem a ver com a nossa falta de conhecimento e com o excesso de informações enganosas, como aquela que associa depressão e ansiedade ao suicídio. "Essas doenças podem estar relacionadas com a vontade de uma pessoa de tirar sua vida, mas não é um preditivo", explica ao Brasil de Fato o psicólogo Bart Andrews, vice-presidente de Análise Clínica e Prática na Behavioral Health Response.
"Precisamos normalizar o pensamento suicida, não o comportamento. Pensamentos suicidas são uma resposta muito normal ao estresse, à sensação de desesperança, à sensação de impotência, à sensação de opressão. Eles começam com uma ideação escapista; com um desejo de fugir da dor em que estamos. É uma resposta humana absolutamente natural, diferente do comportamento suicida. Este último não queremos normalizar", pontua.
Sobrevivente de um suicídio, Andrews é crítico da cobertura midiática de eventos envolvendo pessoas que tiram sua própria vida. Para ele, falar dos casos em que as pessoas conseguem se matar, ao invés de focar nos sobreviventes, transmite uma "mensagem muito ruim".
A espetacularização do suicídio tira de contexto dados importantes, sobretudo quando falamos de sua natureza. "O suicídio está, obviamente, conectado à psicologia e à biologia. Está conectado a doenças mentais e cerebrais, mas também está conectado ao nosso ambiente", afirma Daniel Reidenberg, diretor-executivo do Suicide Awareness Voices of Education, "isso significa que pesam nesta conta fatores econômicos, sociais, religiosos e culturais, não é algo exclusivamente biológico ou mental."
Para virar o jogo, Reinberg defende uma abordagem compreensiva, mas com desdobramentos federais e locais. "É ótimo ter um plano nacional, uma estratégia nacional para prevenir o suicídio, mas é no nível local que a mudança realmente ocorre. Precisamos de pessoas no front, para estar lá e apoiar e identificar quais são os recursos necessários para se estabelecer uma conexão eficaz", diz.
De certa maneira, explica o diretor-executivo do Suicide Awareness Voices of Education, foi essa estratégia que fez os números de suicídios cairem, mesmo durante a pandemia. "Acho que as pessoas foram muito mais intencionais sobre suas conexões neste período. Quando se trata de prevenção de suicídio, quanto mais conectado você está com a fé, com a família, com os eventos da comunidade… quanto mais conectado você estiver, melhor para você. E, durante a pandemia, o que vimos foi que, mesmo que as pessoas tivessem que ficar mais isoladas, para que não pudessem necessariamente estar na proximidade física, as pessoas tomaram a iniciativa de ficar mais conectadas com quem amam, ligando, escrevendo e garantindo presença."
Nos Estados Unidos, 51% dos suicídios acontecem com um disparo de revólver. Além disso, Reidenberg destaca a crise de opioides como outro fator decisivo para o agravamento deste quadro.
Segundo dados da American Foundation for Suicide Prevention, quase 130 pessoas tiram suas vidas todos os dias no país. As estatísticas do CDC, mostram que mais de 47 mil pessoas cometeram suicídio nos Estados Unidos em 2019, o que significa que perdemos 1 estadunidense a cada 11 minutos. Ainda de acordo com a pesquisa federal, 12 milhões de pessoas pensaram seriamente a respeito do suicídio, enquanto 3,5 milhões se planejaram para isso e 1,4 milhão tentaram, de fato.
Todos esses números só não vencem a esperança – o mesmo relatório do CDC aponta que 93% da população acredita que o suicídio é algo que se possa prevenir. O primeiro passo, talvez, é falar sobre isso de forma sincera, empática e responsável.
Edição: Thales Schmidt