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Decorando um dicionário inteiro

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E fiquei com a fama de ter decorado o Aurelião inteiro, coisa que, tenho certeza, nem o Aurélio Buarque de Hollanda fez - Creative Commons
Continuamos a brincadeira, cada dia com alguma palavra selecionada antes

Há muitos anos, eu trabalhava no Senai. De vez em quando, algum colega tinha dúvida sobre o significado de alguma palavra e, por coincidência, eu sabia.

Um deles achou que eu sabia tudo. E o colega Gregório Bacic, brincalhão e gozador, inventou que fui preso político e passei mais de um ano numa solitária, em que minha única companhia era um dicionário grosso, o Aurelião, do Aurélio Buarque de Hollanda. E decorei o dicionário inteiro.

Algumas pessoas acreditaram.

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O Bacic me propôs que eu entrasse na brincadeira. Combinamos que veríamos umas palavras com antecedência e ele me perguntaria. Mas para complicar, em vez de citar a palavra, falava o que ela significava, segundo o Aurelião, e eu adivinharia qual era essa palavra.

Fizemos isso.

Perto de uns colegas, ele abriu o dicionário, procurou a palavra que tínhamos combinado e leu: “infusão de canela, açúcar etc. em vinho”.

Respondi na lata: é hipocraz.

Continuamos a brincadeira, cada dia com alguma palavra selecionada antes.

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Um dia o Bacic quis fazer uma prova maior ainda. Escondidos, selecionamos dez palavras e fizemos uma listinha na mesma ordem. A primeira era diaquilão, escrita num papelzinho que ficou com ele e em outro que ficou comigo.

Ele reuniu o grupo e falou: “Vamos escolher umas dez palavras do Aurelião pra ver se ele sabe mesmo”. Já tinha na memória a palavra diaquilão. Enquanto ele lia o significado, eu conferi no meu papelzinho, escondido.

Leu: “Emplastro medicamentoso em que entram diversas substâncias: cera, terebintina, gálbano etc.”.

“Diaquilão”, respondi, ante os olhares incrédulos da torcida

E veio a segunda palavra, veio a terceira...

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Na quarta, ele começou a fingir procurar uma muito difícil no dicionário, abriu na página em que ela estava, mas nesse momento uma colega, Clotilde, falou: “Acho que tem marmelada nisso. Eu escolho a palavra”. Tomou o dicionário das mãos do Bacic, procurou uma palavra difícil na página em que ele estava aberto, sorriu maliciosa, e sapecou: “Formatura de 1204 homens do exército macedônico... Quero ver você acertar essa!”

Sorri e respondi: “Ô, Clotilde, essa é fácil. Quiliarquia”.

Ela ficou pasma e os outros também. Foi direto na palavra que, por coincidência o Bacic e eu tínhamos escolhido!

E fiquei com a fama de ter decorado o Aurelião inteiro, coisa que, tenho certeza, nem o Aurélio Buarque de Hollanda fez. 

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos