Há pouco mais de uma semana, o governo argentino declarou a não obrigatoriedade do uso de máscaras em espaços abertos e não aglomerados. A decisão foi anunciada pelo Ministério da Saúde da Nação, com base em dados sustentados de queda de contágios por 16 semanas consecutivas e no índice de mortes e internações por covid-19 por 14 semanas consecutivas.
Nesse período, o país passou de 44,46% a 47,44% da população vacinada com as duas doses contra a covid-19 e apresentou uma queda de 39% na média móvel de mortes pela doença.
O anúncio foi tomado com preocupação por parte da população, uma vez que flexibilizar as medidas sanitárias contra a covid-19 podem levar a um relaxamento social e uma perda de perspectiva sobre a gravidade da pandemia.
Países que seguiram essa medida meses atrás, como muitas nações da Europa, Estados Unidos, Austrália e Israel, para citar alguns, voltaram atrás da da completa desobrigatoriedade das máscaras. Em geral, os países atualmente obrigam o uso de tapa-bocas em lugares fechados ou onde o distanciamento de 1,5m não seja viável. Também é o caso da Alemanha, Suécia, Finlândia, Noruega, Hungria e Polônia.
:: Saiba quais são os países que ainda restringem a entrada de brasileiros na pandemia ::
A situação epidemiológica da Argentina permite tomar a mesma medida de países ditos desenvolvidos por ter conseguido controlar o surto da variante Delta, como explica o médico sanitarista e assessor do Ministério da Saúde da província de Buenos Aires Jorge Rachid. "No Reino Unido, a variante Delta avançou com 50 mil casos mas apenas 41 mortos, com um perfil epidemiológico e de vacinação similar ao argentino. Dos 41 mortos, 82% não estavam vacinados, e o resto sofria de doenças graves", pontua.
Rachid ressalta que o perfil dos países são comparáveis, uma vez que o Reino Unido possui 66% de vacinados com uma dose, como a Argentina; e cerca de 60% com as duas, enquanto a Argentina tem quase 50% com as duas doses contra a covid-19.
Segundo o Our World in Data, na última quinta-feira (30), 45,2% da população mundial estava vacinada com pelo menos uma dose das vacinas contra a covid-19, dado que aumenta diariamente. No caso do índice de países mais pobres, os números tardam mais a mudar.
Jorge Rachid destaca que, nas próximas semanas, a Argentina deverá ter completado o esquema de vacinação de todos os que tomaram pelo menos uma dose da vacina. Mas ressalta a desigualdade no cenário mundial. "Ainda temos 1,2 bilhão de pessoas sem vacina no mundo, o que pode gerar mutações de algum covid-21 que nos façam ter que repensar as estratégias de combate à pandemia.
"Dez países acumularam as vacinas imoralmente, e isso está fazendo estragos, já que as mutações afetarão principalmente os não vacinados e comorbidades graves", acrescenta o médico, concluindo: "A vacina protege da terapia intensiva e da morte, mas não do contágio habitual."
:: Stedile do MST debate política e economia da China com pesquisador em Xangai ::
Reino Unido e mais casos pelo mundo que flexibilizaram uso da máscara
Em julho, o Reino Unido anunciou o "Freedom Day", ou "Dia da Liberdade", no dia 19, em referência ao fim de medidas restritivas contra a covid-19. O uso de máscaras foi um deles. Nesse dia, o país registrou 19 mortes pela doença, em uma queda permanente em relação às semanas anteriores. Atualmente, o país não obriga uso de máscaras ao ar livre.
Israel
Israel foi um caso emblemático. Em dado momento, destacou-se em ritmo de vacinação e eliminou as restrições em junho deste ano. Teve de voltar atrás após o surto da variante Delta em julho, com cerca de 100 mil novos casos diários. A máscara é obrigatória em lugares fechados e o país implementou um programa de reforço da imunização, hoje com 69% da população vacinada.
França
Na França, valem as mesmas medidas desde junho. Hoje, o país conta com 76% da população vacinada, com uma média móvel de 60 mortes diárias, com índice em descenso.
A psicanalista Marie Pasqale Chevance relata que a flexibilização foi um alívio, e não representou relaxamento social. "Mesmo com a não obrigatoriedade, muitos continuam usando as máscaras na rua", diz ela, que destaca o aspecto da saúde mental nesse caso. "A saúde mental não foi tomada em conta no sentido de que, por exemplo, não havia um psiquiatra no comitê de defesa sanitária desde o início, situação alterada apenas há alguns meses", destaca.
Além disso, Chevance ressalta o que mais tem levado a população francesa às ruas: a obrigatoriedade do passe sanitário. "A vacina é obrigatória e impedem a entrada desde o café da esquina até o atendimento em um hospital se a pessoa não tiver o passe", conta. "Cada sábado, há protestos nacionais contra o passe, que tem sido considerado uma afronta à liberdade individual", comenta.
Espanha
Na Espanha, as restrições foram eliminadas no dia 26 de junho em um animado anúncio do presidente Pedro Sánchez. Nesse contexto, o país contava com 47% da população vacinada com pelo menos uma dose e 29% completamente imunizada. No entanto, o surto da variante Delta obrigou o país a voltar atrás e, desde o dia 9 de julho, as máscaras são obrigatórias em ambientes fechados e aglomerados.
Para a médica espanhola Ángeles Maestro, especialista em saúde pública, a medida tem sido bem sucedida em seu país. "Celebro que mais países estejam liberando o uso de máscaras ao ar livre", diz. "Aqui na Espanha, desde a eliminação da obrigatoriedade da máscara ao ar livre, a curva descendente dos casos e de mortalidade se mantiveram iguais."
Para Maestro, que foi porta-voz de saúde no Congresso espanhol, nessas mudanças profundas dos comportamentos habilitados após a pandemia, "é essencial ter em conta o componente de classe, as investigações científicas e os dados epidemiológicos que afetam diretamente o que acreditávamos – ou, diretamente, não sabíamos – ao início da pandemia."
"Efetivamente, tudo que está relacionado à covid é muito incerto, mas é importante fazer o regresso à normalidade com cuidado, com máscaras em lugares fechados, já que os contágios se produzem fundamentalmente em transportes públicos cheios, locais de trabalho onde não é possível o distanciamento e, principalmente, em moradias humildes", diz.
Edição: Vinícius Segalla