Após um intervalo de dois meses, a oposição ao governo Bolsonaro voltará às ruas neste sábado, 2 de outubro, com a ambição de iniciar uma fase até então inédita de protestos.
Para além de uma tentativa ainda distante de convencer o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a iniciar um processo de impeachment contra o presidente, alguns líderes de partidos da esquerda enxergam na mobilização popular uma grande oportunidade de aumentar a pressão sobre seus colegas parlamentares para barrar a aprovação das reformas administrativa (PEC 32) e tributária, previstas para entrarem em votação ainda este ano.
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Embora descarte a necessidade de responder ao 7 de setembro bolsonarista com mobilizações ainda maiores, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) menciona a adesão de representantes de partidos como o PSDB e o Cidadania, para projetar uma nova correlação de forças tanto na Câmara quanto no Senado.
“Isso (as manifestações) para nós tem importância lá fora e tem importância na repercussão aqui dentro, porque as coisas vão sendo decididas lá fora e aqui também. Eu vejo que a reforma administrativa está com dificuldade. Nós precisamos ampliar nossa potência de votação aqui dentro”, defende a parlamentar.
Ainda objeto de divergências, a reforma administrativa já chegou à sua quinta versão, após mudanças exigidas pela oposição e organizações civis que reúnem servidores. Mesmo assim, líderes da base do governo já admitem que a votação do texto, aprovado pela comissão especial da Casa na semana passada, pode ser adiada para 2022.
A oposição argumenta que o texto possibilitaria uma redução significativa na jornada e salário de servidores, precarizando as atividades oferecidas pelo Estado. Para a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), é preciso vincular a luta do 'Fora Bolsonaro' com a luta contra a PEC 32 “que o Lira tenta a todo momento votar aqui na Câmara para sinalizar aos mercados, dando uma estabilidade política para o governo Bolsonaro nesse momento , de crise social, política e econômica”.
Nesta quinta-feira, Arthur Lira anunciou que colocará a reforma tributária para votação ainda este ano, mesmo reconhecendo ser um dos temas da agenda legislativa que mais causa divergências. Dentre os pontos mais polêmicos, está a criação de um imposto único, a partir da unificação do PIS com o Cofins, dois tributos federais que incidem sobre o consumo e não sobre a renda ou o patrimônio, como defende a oposição.
Levante unificado
A queda de popularidade de Bolsonaro em pesquisas recentes ajuda a projetar um cenário de maior isolamento também de suas políticas, de modo geral. Soma-se a isso o desembarque de parte dos partidos de direita e centro-direita, que devem engrossar as próximas manifestações puxadas pela esquerda ou seguir tentando emplacar um movimento exclusivo da terceira via.
Na avaliação do cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel, seria importante conseguir somar todas as forças que se colocam contra o governo Bolsonaro em nome da democracia, “porque não se pode pensar em um movimento que una apenas setores que têm um projeto comum de sociedade”.
Por outro lado, Miguel faz ressalvas sobre a necessidade de aceitação da direita ao contexto político atual. “Não dá para fazer um tipo de manifestação, como a que o MBL e parte da direita organizaram no dia 12 de setembro, que tem uma pauta 'nem Bolsonaro e nem Lula', porque essa pauta não une e não combate às ameaças de golpe”.
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Já para Melchionna, a propalada convergência de campos ideológicos muito distintos seria apenas ocasional e sublinha que uma unidade de ação não serviria para palanque eleitoral, “já que as eleições serão apenas no ano que vem”. “Quem tiver nas ruas marchando pelo 'Fora Bolsonaro' é bem-vindo, mas é claro que nós vamos manter a nossa independência política, com as nossas bandeiras e a nossa cara”, destaca.
Freios das manifestações contra o governo federal
Mesmo antes de ser eleito, Bolsonaro já enfrentava resistência nas ruas com a campanha do “Ele Não” durante a campanha e no início de sua gestão. Ainda com uma base eleitoral bastante consolidada à época, o presidente precisou conviver com o primeiro grande ciclo de protestos, em meados de 2019, que vieram a ser conhecidos como “Tsunami da Educação”, por ser puxado pela comunidade estudantil após cortes anunciados na educação básica e superior.
Segundo Miguel, naquele momento Bolsonaro começou a utilizar uma estratégia surpreendente, que teria contribuído para desmobilizar seus opositores. “Qualquer outro governo, mesmo de direita, diante de manifestações daquela magnitude teria buscado um espaço de negociação para reduzir o seu desgaste. O governo Bolsonaro opera por uma lógica contrária de sempre ampliar a tensão e o confronto”, opina.
A série de distrações e crises gestadas pelo próprio Palácio do Planalto também fizeram disparar os protestos em defesa do meio-ambiente, motivados pelas queimadas na Amazônia e pelo desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental. Porém, os ânimos voltaram a arrefecer após o início da pandemia da Covid-19 e um longo período de isolamento, e os brasileiros só voltaram às ruas em grande número no dia 29 de maio deste ano.
Há também quem acredite que as manobras do presidente Bolsonaro já não surtem os mesmos efeitos como antes, como o porta-voz da Rede em São Paulo, Giovanni Mockus, que enxerga Bolsonaro em uma "sinuca de bico" inédita. “Inclusive essa carta que ele publicou logo após o 7 de setembro traz palavras totalmente vazias, e aqui em Brasília ninguém está acreditando nisso, é apenas mais uma retórica de efeitos passageiros”, conclui.
Edição: Vinícius Segalla