Protestos pelo impeachment de Jair Bolsonaro, realizados neste sábado (2), colocaram a disparada no preço do gás de cozinha, dos alimentos, da gasolina e da energia elétrica como protagonista. Não que o termo "Bolsocaro" não estivesse presente desde as manifestações contra ele desde maio, mas agora figurava onipresente nas faixas, nos jingles, nos cartazes, nos discursos.
Em frente ao Masp, na avenida Paulista, a estrela era um botijão de gás de cozinha inflável e gigante, lembrando que o produto atinge R$ 125. Estampava a marca "UltraGuedez", em crítica ao czar da economia. Não era o único inflável com a mesma ideia no protesto em São Paulo, nem nos outros atos pelo país.
::Até onde vai o preço dos alimentos e o que isso significa para a população brasileira?::
Com isso, as manifestações atingem em cheio uma das maiores preocupações do presidente da República: a sua queda de popularidade diante da alta da inflação, que afunda a classe trabalhadora, corroendo o poder de compra de salários e benefícios sociais.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro parece ter feito um cálculo mórbido: os mortos pelo coronavírus causariam um dano menor para suas intenções eleitorais do que a fome, o desemprego e a pobreza.
Por isso, empurrou a população de volta às ruas, atacando o isolamento social e promovendo remédios inúteis à covid. Usou até os dados distorcidos da Prevent Senior baseados em experimentos em cobaias humanas em sua campanha a favor da cloroquina.
Caso Bolsonaro não tivesse sabotado sistematicamente as medidas de isolamento social, nem combatido o uso de máscaras, muito menos postergado contratos de compra de vacinas, a pandemia seria mais curta e a economia teria voltado ao normal muitos antes, com menos mortos e menos desemprego.
Para ele, os 600 mil mortos (ou 0,28% da população) ainda é um número menos preocupante do que 14,1 milhões de desempregados, ou uma taxa de 13,7%. Ou um aumento na cesta básica, que subiu 34% nos últimos 12 meses, em Brasília, e 26%, em Porto Alegre, de acordo com o Dieese. Sem falar de uma gasolina que ultrapassa R$ 7 em muitas cidades e o tal botijão de gás - que de tão caro provoca uma volta ao uso da lenha, colocando em risco a vida dos mais pobres.
Ele diz que quis proteger vidas e empregos e os governadores e prefeitos, ao promoverem quarentenas, não deixaram que isso acontecesse. Mentira: suas ações ceifaram ambos.
Bolsonaro se assusta mais ao ser chamado de 'Bolsocaro' do que de 'genocida'
A pandemia prolongada artificialmente por ele levou o desemprego a patamares nunca vistos por aqui, chegando a 14,8 milhões. Quando a fome apertou (a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional calcula em 19,1 milhões no final do ano passado), Bolsonaro cancelou o auxílio emergencial em 31 de dezembro e só retomou em abril, com valores mixurucas de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 - muito menos que os R$ 600 ou R$ 1200 aprovados pelo Congresso no primeiro semestre de 2020. O piso não compra 25% da cesta básica em São Paulo.
Paralelamente a isso, Bolsonaro também trouxe instabilidade à política com os ataques à democracia, criando um ambiente com menos segurança para investidores e seguiu errante na gestão da economia, atendendo a interesses de aliados no Congresso, preocupando-se apenas em evitar o impeachment. O dólar subiu e, com ele, a inflação.
Por fim, desprezou os alertas climáticos nos anos anteriores, deixando que a situação das hidrelétricas baixasse a níveis ridículos. Isso aumentou absurdamente a conta de luz e colocou apagões em nosso horizonte.
A última pesquisa Datafolha mostra que 54% da população reprova a gestão de Bolsonaro sobre pandemia, o que é pouco, considerando tudo o que fez. Isso mostra que ele conseguiu, de certa forma, passar a muita gente a ideia de que nada podia fazer diante do vírus.
Ao focar na degradação da situação econômica, lembrando que a situação é culpa sim de suas ações e inações e as de seu governo, a oposição acerta em algo que ele não poderá se esquivar. Com exceção dos seus seguidores mais fanáticos, o resto da população tende a ver a economia como uma questão federal.
Não à toa, ele está torcendo para que o programa da Petrobras, que anunciou a liberação de R$ 300 milhões em subsídios para a compra de gás de cozinha por famílias muito pobres, dê certo. A sua popularidade depende disso.
A impressão é que ele gasta mais tempo se justificando quanto à economia do que sobre os mortos da covid-19. Ser chamado de "genocida" parece assustar menos Bolsonaro do que ganhar a alcunha de "Bolsocaro".