Com quase 15 milhões de desempregados e 20 milhões de pessoas passando fome, o Brasil vive uma das maiores crises de sua história, resultado da desastrosa política social e econômica implementada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Um dos resultados dessa incompetência é a explosão dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha, o GLP.
Os constantes aumentos se originam na política de preços adotada pela gestão da Petrobrás desde outubro de 2016, pelo então presidente Michel Temer (MDB), baseada no Preço de Paridade de Importação (PPI), e que foi agravada com Bolsonaro, com a venda de refinarias e de outros ativos da Petrobrás.
Essa privatização aos pedaços da Petrobrás causa reflexos diretos no bolso da população não somente nos postos de combustíveis e nos revendedores de gás.
O aumento dos derivados de petróleo se reflete em toda a cadeia produtiva, forçando também o reajuste dos alimentos e de outros produtos. O resultado é a disparada da inflação.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – a inflação oficial do país – já é de 9,68% nos últimos 12 meses. E a situação é ainda pior para os mais pobres, já que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para famílias com renda entre 1 e 5 salários mínimos, está em 10,42%.
“De janeiro a agosto, a gestão da Petrobrás reajustou a gasolina em 51% nas refinarias da empresa. No diesel, o aumento já é de 40%, mesmo percentual de alta do gás de cozinha. Esses produtos têm reflexo direto na inflação do Brasil, que não para de subir. E as expectativas são de permanência ou alta dos preços nos próximos meses, refletindo os impactos da PPI”, observa o economista Cloviomar Cararine, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, subseção Federação Única dos Petroleiros (Dieese/FUP).
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Dados desagregados obtidos pelo Dieese/FUP base no IPCA mostram que, nos primeiros oito meses de 2021, a gasolina teve alta de 31,09%. No diesel, o aumento acumulado foi de 28,02%. O etanol também registrou altas sem precedentes: 62,26% em 12 meses, 40,75% no ano, e 4,50% em agosto.
A deterioração da renda dos trabalhadores vai mais além: o gás de botijão teve alta recorde de 23,79% nos primeiros oito meses deste ano, acumulando em 12 meses, até agosto, 31,70%.
O reflexo da alta do gás de cozinha foi sentido no item alimentação e bebidas, que aumentou 13,94% em doze meses, ou 4,77% em janeiro/agosto.
E a situação vai piorar. Segundo matéria da Folha de S. Paulo de 23 de setembro, a cotação do propano, matéria-prima do gás de cozinha, subiu quase 15% nos EUA em um mês. E como a gestão da Petrobrás usa os preços internacionais para reajustar o GLP no mercado interno, a chegada do inverno no Hemisfério Norte faz os preços dispararem no exterior, o que terá reflexos no Brasil.
“Os principais motivos para os aumentos que estão puxando a inflação não estão sendo atacados pelo governo. A gestão da Petrobrás mantém sua política equivocada de preços dos derivados; a alimentação disputa demanda com o mercado mundial e ambos setores (derivados e alimentos) acompanham a instabilidade do dólar. A energia elétrica, que também está pesando, sofre com problemas climáticos e falta de águas nos reservatórios. Os próximos meses serão de maior pressão de preços para as famílias brasileiras”, destaca Cararine.
Preço exorbitante
Jair Bolsonaro e seus aliados constantemente atacam os governadores, tentando jogar a culpa dos aumentos de gasolina, diesel e gás de cozinha no Imposto sobre Circulação e Mercadorias e Serviços (ICMS).
“É mais uma entre tantas mentiras inventadas por Bolsonaro para tentar disfarçar seu projeto político genocida, que além de negar vacinas ainda faz o povo sofrer com desemprego e preços explodindo”, avalia o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.
“Os percentuais do ICMS cobrados sobre a gasolina, o diesel e o gás de cozinha são os mesmos há anos. Há anos! Agora, se a gestão da Petrobrás aumenta os preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha nas refinarias, é óbvio que os valores cobrados pelos estados também aumentam. É um efeito cascata. É mentira culpar os governos estaduais e o ICMS pela explosão dos preços. Tudo começa com a gestão da Petrobrás, autorizada pelo governo Bolsonaro a seguir as regras do mercado internacional e a aumentar os preços a seu bel prazer. Enquanto a gestão da Petrobrás não mudar a atual política de preços para os combustíveis, nada vai mudar”, explica Bacelar.
::Petrobras destina 90% a menos que o anunciado por Bolsonaro para custear gás aos mais pobres::
O coordenador geral da FUP ainda lembra o peso da privatização aos pedaços da Petrobrás sobre o consumidor brasileiro.
“Silva e Luna esteve no Congresso Nacional em 14 de setembro e omitiu a venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, para o fundo árabe Mubadala por US$ 1,65 bilhão, metade do valor de mercado, conforme apontou estudo do Ineep e levantamentos feitos por empresas do mercado financeiro. Na contramão da tendência mundial, a Petrobrás já vendeu praticamente toda a malha de gasodutos, sua participação na Gaspetro, que fornece gás natural às distribuidoras, suas unidades de energia renovável, como todas as plantas de energia eólica, e está se desfazendo das plantas de biocombustível”.
Bacelar também critica a política de governança da gestão da Petrobrás. “Silva e Luna disse ter uma forte estrutura de governança corporativa, mas não fez referência ao fato de o salário de 220 mil mensais pago a ele, somado à alta dos preços do gás de cozinha e dos combustíveis e à distribuição de dividendos a acionistas em valores recordes de R$ 41 bilhões, geram indignação popular”.
Preço justo é possível
A FUP e seus sindicatos vêm realizando, desde fevereiro de 2021, em diversos estados, ações nas quais comercializam combustíveis e gás de cozinha pelo preço que deveriam ser vendidos. Além do benefício financeiro, a campanha “Combustíveis a Preço Justo” visa dialogar com a população sobre os prejuízos da política de reajustes dos combustíveis baseada no PPI.
A venda de gás a preço justo é um alívio para o bolso dos consumidores, sobretudo para os mais pobres, que vêm sentindo bastante os efeitos da política de reajustes dos combustíveis da Petrobrás – vide o INPC de 10,42%.
“Tem gente usando lenha e até álcool para cozinhar. Esses reajustes que a gestão da Petrobrás vem aplicando não apenas no gás de cozinha, mas também no óleo diesel e na gasolina podem ser evitados. Basta a empresa parar de usar somente a cotação do petróleo e do dólar e considerar também os custos nacionais de produção. Afinal, 90% dos derivados de petróleo que a gente consome são produzidos no Brasil, em refinarias da Petrobrás. E a empresa utiliza majoritariamente petróleo nacional, que ela mesma produz aqui”, detalha Bacelar.
O Brasil, que já chegou ao pleno emprego em 2014, sofre com uma das maiores crises de desemprego de sua história, em que quase 20 milhões de pessoas estão passando fome, há mais de 14 milhões de desempregados e os preços dos produtos essenciais à sobrevivência não param de subir.
O que é o PPI?
O Preço de Paridade de Importação (PPI), adotado pela gestão da Petrobrás em outubro de 2016 – portanto, há cinco anos – baseia-se nas cotações do petróleo no mercado internacional, na variação do dólar no Brasil e nos custos de importação, sem considerar os custos nacionais da produção.
Atualmente, entre 80% e 90% dos derivados de petróleo consumidos no Brasil são produzidos nas refinarias da Petrobrás. E majoritariamente é utilizado petróleo brasileiro, produzido pela própria empresa, nesse processo. Afinal, o país é autossuficiente na produção de petróleo desde 2006.
Contudo, a gestão da Petrobrás opta por não utilizar toda a sua capacidade de refino. Nos últimos anos, o fator de utilização (FUT) das refinarias da empresa tem girado em torno de 75%. Isso abre espaço no mercado nacional para importadores de combustíveis – que pressionam a empresa para reajustar seus produtos com base no mercado internacional. E a gestão da Petrobrás, de modo submisso, cede.
É importante lembrar que foi o PPI o responsável pela greve dos caminhoneiros em maio de 2018, que paralisou o país e causou a demissão de Pedro Parente da presidência da empresa. Apesar de ter feito algumas modificações para minimizar os impactos do PPI, a gestão de Michel Temer manteve essa política de reajustes.
Com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência da República e a indicação de Roberto Castello Branco para presidir a Petrobrás, a aplicação do PPI se intensificou e foi agravada pela venda de diversos ativos da estatal, como campos de petróleo e gás natural, gasodutos, transportadoras de gás, a BR Distribuidora e refinarias.
Castello Branco promoveu um verdadeiro 'feirão' da maior companhia do país controlada pelo governo.
Sem se importar com a sustentabilidade econômico-financeira da Petrobrás em médio e longo prazos, tirou a empresa de segmentos econômicos vitais para uma grande petroleira, como a distribuição de combustíveis, os investimentos em fontes renováveis de energia, a produção de fertilizantes e até mesmo do refino de petróleo bruto.
Após ignorar as reivindicações sobre os preços altos dos combustíveis, Castello Branco foi demitido da Petrobrás e substituído pelo general Joaquim Silva e Luna, que não tem qualquer experiência no setor de petróleo e gás natural. Entretanto, a famigerada política do PPI, assim como a entrega a preço de banana do patrimônio da Petrobrás – e de toda a população brasileira – permanecem as mesmas.
*A Federação Única dos Petroleiros (FUP) foi criada em 1994, fruto da evolução histórica do movimento sindical petroleiro no Brasil, desde a criação da Petrobrás, em 1953.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse