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Os gaveteiros

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As mesas em que os ituanos almoçam ou jantam, me contaram, são grandes e cheias de gavetas. Se estão almoçando e chega visita, todos põem nas gavetas os pratos com a comida - Creative Commons
A primeira vez que ouvi falar em “gaveteiro” foi em Salto, cidade vizinha a Itu, no estado de SP

Conheci uns sujeitos metidos a espertos que costumavam chegar na casa dos outros, sem avisar, bem na hora do almoço. Meio constrangidos, os visitados convidavam o espertalhão pra almoçar e ele aceitava, claro.

Algumas pessoas davam um jeito de escapar desses sujeitos, atrasando o almoço ou dizendo que não podiam conversar naquele momento, dando uma desculpa qualquer.

E tinha também quem falava que o almoço foi feito só em quantidade suficiente para os moradores. Direto, mostrando que o cara não era bem-vindo, pelo menos naquela hora.

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Mas em duas cidades tinham uma estratégia própria para escapar dos fila-boias.

A primeira vez que ouvi falar em “gaveteiro” foi em Salto, cidade vizinha a Itu, no estado de São Paulo. Existia uma rixa entre as duas cidades e me disseram que “ituano é gaveteiro”.

Não entendi, e me explicaram.

As mesas em que os ituanos almoçam ou jantam, me contaram, são grandes e cheias de gavetas. Se estão almoçando e chega visita, todos põem nas gavetas os pratos com a comida e ficam arrumando um jeito da visita ir embora. Puxam assuntos desagradáveis, falam que estão passando por dificuldades, reclamam da vida até o sujeito se sentir incomodado e ir embora. Aí pegam os pratos cheios nas gavetas e continuam a refeição.

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Outro lugar em que ouvi a expressão “gaveteiro” foi Mariana, Minas Gerais, bela cidade histórica que foi a primeira capital do estado - antes mesmo de Ouro Preto - e recentemente se tornou conhecida até internacionalmente por causa do desastre ambiental pelo rompimento de uma barragem de rejeitos minerais de uma mineradora que agiu de maneira muito safada. Uma injustiça para uma cidade tão boa ser conhecida quase como sinônimo de desastre.

Lá, eles mesmo dizem, brincando, que são chamados de gaveteiros. Mas não ligam pra isso, virou folclore. Até mostram mesas retangulares grandonas, cheias de gavetas, onde falam que escondem a comida quando chega visita indesejada na hora da refeição.

Agora vejo o aumento do número de pessoas que não têm como comprar comida e sonham com uma boa refeição, e penso: vão começar a visitar amigos na hora do almoço... E vai ter gaveteiro em tudo quanto é cidade do Brasil.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos