LEI DA IMPROBIDADE

Discurso anticorrupção não pode inviabilizar políticas públicas, diz Carlos Zarattini

Relator de mudanças na Lei da Improbidade Administrativa nega "afrouxamento" de combate à corrupção; entenda críticas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Deputado petista diz que críticas ao projeto são "discurso fácil" - Agência Câmara

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (5) o texto principal do projeto de lei que altera a Lei de Improbidade Administrativa e passa a exigir a comprovação de dolo (intenção) para a condenação de agentes públicos.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), relator do projeto, negou que as mudanças signifiquem o "afrouxamento" do combate à corrupção no país.

O projeto de lei foi aprovado pela Câmara em junho, mas voltou para análise dos deputados, porque foi modificado pelo Senado. Por isso, na votação dessa terça, os deputados analisaram somente as mudanças feitas pelos senadores — oito, no total. A proposta foi votada na Câmara uma semana depois ter sido apreciada, no mesmo dia, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário do Senado.

Segundo Zarattini, o atual formato da lei inviabiliza políticas públicas ao causar um "apagão das canetas". O termo define a consequência do medo que os agentes públicos têm do controle externo por suas decisões, optando por nada decidirem para evitarem riscos decisórios.

"A Lei de Improbidade é de 1992. Foi aprovada naquele momento, durante o governo Collor, em que a discussão sobre a corrupção estava muito acentuada. Foi aprovada uma lei muito abrangente. Ou seja, ela permite punir qualquer irregularidade como sendo improbidade. Isso é um absurdo."

"Existem erros, que, às vezes, não são intencionais. A pessoa pode errar em alguma decisão, algum procedimento. Às vezes, até causa prejuízo ao patrimônio público, mas não é uma ação com objetivo de levar esse prejuízo. Então, isso gerou milhares de processos que acabam terminando, em boa parte deles, em condenações com perda de direitos político, bloqueio de bens, multas pesadas", afirma Zarattini.

O deputado petista ainda comentou as críticas que recebeu nos principais veículos de comunicação por ter encampado o debate sobre o tema.

"A grande imprensa faz o discurso de que a gente está afrouxando combate à corrupção, de que nós não queremos que a corrupção seja punida. Esse é o discurso fácil. É o que o lavajatismo faz, ele vem desse mesmo discurso de que todo político é corrupto, de que todo político quer roubar. É muito simples fazer isso, não é? Nós temos que ter uma lei que moderna, que permita as pessoas trabalharem", afirma.

ENTENDA AS MUDANÇAS

A principal mudança proposta é que será exigida a comprovação de dolo para a condenação dos agentes públicos. O projeto estabelece também que, em casos de enriquecimento ilícito e prejuízo aos cofres públicos, a sanção de perda de função pública atinge somente o vínculo de mesma natureza da época que o político cometeu a infração.

Ainda de acordo com o texto, o Ministério Público será o único órgão legitimado a propor ações de improbidade. Atualmente, órgãos de estados, municípios e a União podem propor essas ações. Entre as mudanças, também está a previsão de que o Ministério Público poderá fechar acordo de não-persecução penal, no qual o Estado decide não processar um criminoso por determinado delito.

CRÍTICAS AO PROJETO

A Transparência Brasil, organização que atua há mais de 20 anos no campo da transparência no Brasil, fez duras críticas ao texto aprovado na Câmara nesta terça-feira (5). De acordo com a entidade, em publicação no Twitter, "o novo texto, na dita ânsia de 'prevenir injustiças', restringe tanto as possibilidades de condenação por improbidade que acaba por isentar casos de negligência extrema ou erro grosseiro".

"Sob o argumento falho de que o novo texto da Lei de Improbidade "simplesmente" garante que bons gestores não serão injustamente condenados, a Câmara aprovou ontem o PL 2505/2021 com algumas emendas feitas pelo Senado. O combate à corrupção sai enfraquecido."

"A punição por improbidade só acontecerá quando for comprovada a intenção de violar a lei", afirma a Transparência Brasil.

LEIA A ENTREVISTA COM CARLOS ZARATTINI, RELATOR DAS MUDANÇAS NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:

O campo progressista tem acúmulo no tema da corrupção?

Em primeiro lugar, é importante lembrar que foram os governos do PT que mais produziram leis anticorrupção, como a Lei de Acesso à Informação, a própria Lei Anticorrupção, que pune as empresas, a Lei da Ficha Limpa. No campo progressista, esse tema tem sido debatido por juristas, dentre os quais eu ressalto o Grupo Prerrogativas. Eles fizeram um debate sobre as questões jurídicas ligadas ao combate à corrupção.

Como você enxerga o argumento de que as mudanças são "afrouxamentos" na lei?

A grande imprensa faz o discurso de que a gente está afrouxando combate à corrupção, de que nós não queremos que a corrupção seja punida. Esse é o discurso fácil. É o que o lavajatismo faz, ele vem desse mesmo discurso de que todo político é corrupto, de que todo político quer roubar. É muito simples fazer isso, não é? Nós temos que ter uma lei que moderna, que permita as pessoas trabalharem.

Tem alguns poucos procuradores e promotores que estão combatendo as mudanças na lei, mas eles são pouquíssimos. A voz deles é amplificada por esses órgãos de imprensa, mas isso é uma coisa que evidentemente vai ser passageira. Eles vão falar durante algum tempo, mas não tem sustentação real para gerar um debate de longo prazo. Qualquer jurista sério sabe que a lei é problemática e que precisa ser mudada. Então, eu realmente não me preocupo muito com essa com essa questão da forma como a imprensa trata o tema. Esses argumentos não têm sustentação. 

Quais são os perigos do discurso anticorrupção?

O discurso anticorrupção é sempre usado para atacar governos progressistas. Não é de agora. Historicamente, no Brasil e em vários países do mundo, se faz a desestabilização de governos a partir desse argumento. A história do Brasil é assim: foi com Getúlio Vargas, Juscelino Kubitshcek, João Goulart, Lula, Dilma...

Como se deve combater a corrupção?

Temos sim que fazer leis anticorrupção. Porém, a gente tem que elaborar essas leis de forma que isso não inviabilize as políticas públicas progressistas que nós temos que levar adiante. Elas é que são objeto de ataque dos grupos mais reacionários mais retrógrados. 

Quais são os problemas no atual formato da Lei da Improbidade Administrativa?

A Lei de Improbidade é de 1992. Foi aprovada naquele momento, durante o governo Collor, em que a discussão sobre a corrupção estava muito acentuada. Foi aprovada uma lei muito abrangente. Ou seja, ela permite punir qualquer irregularidade como sendo improbidade. Isso é um absurdo. Existem erros, que, às vezes, não são intencionais. A pessoa pode errar em alguma decisão, algum procedimento. Às vezes, até causa prejuízo ao patrimônio público, mas não é uma ação com objetivo de levar esse prejuízo. Então, isso gerou milhares de processos que acabam terminando, em boa parte deles, em condenações com perda de direitos político, bloqueio de bens, multas pesadas. 

Qual o impacto desses problemas na legislação?

Isso inviabiliza as políticas públicas e cria um temor muito grande no gestor público, nos próprios funcionários, de tomar decisões as decisões, que acabam sendo postergadas. Muita coisa se perde por medo de tomar uma decisão que pode ser encarada como improbidade. 

Edição: Anelize Moreira