A mensagem captada dos noticiários é que devemos apertar os cintos, já que os preços estão decolando, a nossa economia atravessa uma grave turbulência e os pilotos… bem, eles não são lá muito confiáveis.
Mas para completar qualquer absurdo brasileiro muito em breve pode ocorrer o que os estadunidenses chamam de "tempestade perfeita", já que outros países também passam por dificuldades e colocam mais pressão sobre a economia verde-e-amarela.
Um dos agentes externos mais importantes é justamente os Estados Unidos, nosso segundo maior comprador, atrás apenas da China. Sozinhos, os norte-americanos respondem por cerca de 11% de nossa exportação.
Apesar desse número, os brasileiros não têm motivo nenhum para comemorar, já que para a maioria o cotidiano continua duro: botijão de gás por até R$ 125, quilo da carne passando dos R$ 40 e gasolina em recorde histórico.
Se muito disso pode ser colocado na conta da equipe econômica do governo Bolsonaro, o cenário internacional do longo-prazo não colabora. Por ora, a aparência é que a retomada dos EUA tem sido boa. com algumas projeções apontando crescimento de 5,9% este ano. Mas nem tudo são flores e a realidade é bem mais problemática do que isso.
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"No curto prazo, as expectativas são boas, já que a variante delta parece estar sob controle", diz à reportagem do Brasil de Fato o economista John Leer, chefe da Morning Consult. "A longo prazo, o cenário é outro: a precificação e os gargalos na cadeia de suprimento devem ser um importante desafio em até 12 ou 18 meses". Ou seja, o problema está em como o governo vai lidar com a cadeia produtiva e oferta de suprimentos básicos para a população dos EUA.
Ainda segundo Leer, a principal missão do governo, agora, é continuar apoiando a produtividade estadunidense. Para isso, o presidente Joe Biden tenta aprovar junto ao Congresso um pacote de estímulo de 3,5 trilhões de dólares (19,4 trilhões de reais), um projeto que tem dividido os próprios democratas.
"A literatura sobre essa estratégia é bastante complexa, mas sabemos que a injeção de capital tem, como efeito imediato, um espécie de 'choque', mas o verdadeiro desafio é manter o ritmo dessa produtividade", pondera Leer.
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Caso seja aprovado, o pacote de Biden pode esquentar a temperatura da inflação nos EUA, que já está na casa dos 5,3% – uma média histórica - e é outra preocupação no país. "Chama a atenção, por exemplo, que a taxa de juros básica continue baixa. Essa seria uma opção de ação por parte do Banco central", afirma Leer,
Quando os Estados Unidos aumentam sua taxa de juros básica, a moeda dos EUA pode ganhar ainda mais valor frente ao real. Isso porque investidores tendem a tirar seus recursos de países como o Brasil para aportar em administrações mais rentáveis, como seria o caso dos Estados Unidos.
"Todo mundo sabe que, para os demais países, dólar alto é bom para exportadores e péssimos para importadores", diz o economista.
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Mesmo quem não faz parte direta dessa troca sente o impacto da alta do dólar, já que boa parte das matérias-primas que usamos em bens de consumo básicos são negociados com base na moeda estadunidense.
O trigo, por exemplo, presente em todo pãozinho francês, é comercializado em dólar, assim como a soja, a gasolina e tantos outros produtos indispensáveis. Quando o dólar aumenta, leva para cima muitas das compras vitais dos brasileiros.
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Por ter acesso a tudo em sua própria moeda, em uma espécie de monopólio de "produção" de capital, os Estados Unidos ganham mais liberdade para mexer em suas taxas de juros. "O dólar é uma espécie de moeda padrão, adotada por todos os países, o que dá ao nosso Banco Central uma autonomia importante", completa.
Portanto, não é apenas as escolhas do governo Bolsonaro que nos afetam, mas também a movimentação da economia global, principalmente a estadunidense, que, no fim, pode ajudar o preço do pãozinho subir ou descer.
Edição: Arturo Hartmann