“Tributar os ricos é um tema mais que necessário e faz parte dos problemas cruciais do Brasil”, disse o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile. Ele fez uma análise de conjuntura nesta terça-feira (5), no encontro de encerramento do ciclo de debates “Desenvolvimento, novas desigualdades e justiça fiscal no Brasil”.
Para o palestrante, o país vive a pior crise de sua história por atingir os pilares do capitalismo.
“Para enfrentar essa crise histórica, temos que propor mudanças estruturais para combater as mazelas do capitalismo. Começando pela reforma tributária, um dos instrumentos principais para corrigir a desigualdade social e fazer justiça. Não basta ganhar eleição”, enfatizou.
Em sua análise, apontou quatro fatores que marcam a correlação de forças no país: a crise estrutural do capitalismo, a crise da covid, a natureza do governo Bolsonaro e o comportamento da burguesia e da classe trabalhadora, as duas grandes forças nacionais.
Alertou para o ataque ao meio ambiente, apropriado como mercadoria pelo mercado, levando a uma grave crise ambiental. “Não estamos diante de uma crise de governo, mas do modus operandi do Estado burguês falido. Uma crise de credibilidade, de instabilidade institucional que engloba a economia, sociedade, meio ambiente, o Estado, além da civilizatória.” E completou: “Usam o poder econômico para comprar deputado, presidente e ministro. O povo se dá conta que seu voto não decide mais.”
Poucos controlam tudo
Nesta aula de encerramento do ciclo promovido pelo Instituto Lula, Instituto Justiça Fiscal e as entidades coordenadoras da Campanha Tributar os Super-Ricos, Stédile criticou as distorções fiscais com exemplos como o leite e o feijão que pagam impostos enquanto agrotóxicos, commodities e minérios, como petróleo e ferro são isentos.
Ao mesmo tempo em que o país é o terceiro exportador de carne bovina, o povo passa fome. “O IBGE revelou que 67 milhões de trabalhadores adultos foram jogados na sarjeta da vida: estão desempregados, subempregados, desalentados ou com trabalho precarizado”, registrou o palestrante, lembrando que esse contingente é formado majoritariamente por mulheres, jovens, negros e da periferia.
Mais do que taxar os 0,3% super-ricos, alvo da campanha Tributar os Super-Ricos, Stédile entende que o 1% mais ricos devem ser tributados.
Economista, o painelista citou o Atlas dos Ricos no Brasil, mapeados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). “São apenas cinco mil famílias, 400 empresas – metade estrangeiras –, que controlam a maior parte do PIB, os bancos, as terras, a indústria, o comércio, o agronegócio. Na agricultura são 50 empresas que controlam todo o PIB agrícola”, enumerou.
O que mudar
Ele citou algumas mudanças estruturais que um novo governo brasileiro deve promover para recuperar o país. Realizar uma pesada reforma tributária, com controle do capital financeiro e dos paraísos fiscais e botar dinheiro em educação, moradia, combater a fome e retomar investimentos na indústria; acentuar a reforma agrária e universitária são alguns caminhos apontados pelo dirigente. Mas ressalta que o povo deve defender esse caminho. “No poder econômico, quem controla as ideias têm a hegemonia”, relembrou, citando o intelectual italiano Antônio Gramsci.
Sobre as denúncias de contas em paraísos fiscais do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reveladas nesta semana, João Pedro Stédile defende medidas de repatriação dos recursos nacionais de todas as aplicações especulativas offshore. “É preciso trazer de volta os US$ 480 bilhões de residentes no Brasil.”
De acordo com Stédile, o capitalismo tornou-se incapaz de organizar a produção e a distribuição da riqueza na sociedade. Também destacou as diferentes crises, como a civilizatória, de valores comportamentais, como o individualismo, o egoísmo e o consumismo, fatores que desagregam a sociedade e não trazem soluções. “Nesses parâmetros não haverá solução”, enfatizou.
O líder do MST também destacou que a covid-19 agravou a crise porque cobrou em vidas, perdas acentuadas pelo governo. Sobre Jair Bolsonaro, observa que ele é a face da burguesia e de um Estado em crise, entregue às milícias. Analisa que assim que a burguesia decidir quem será seu candidato à presidência no próximo ano, ele será descartado.
“A burguesia sequestrou o Estado e se tornou pré-capitalista, porque foi ela que inventou o Estado burguês e os impostos foi a burguesia industrial. Mas a burguesia brasileira é tão atrasada e gananciosa que não admite pagar imposto”, desabafou.
O golpe e o Titanic
O dirigente acentuou que o golpe de 2016 que retirou a presidenta Dilma Rousseff foi dado pela burguesia diante da emergência da crise capitalista.
“Toda vez que ocorre uma crise, a burguesia se agarra para ter o controle absoluto de poder para se salvar e joga os trabalhadores aos tubarões. Quando o Titanic começa a afundar, a burguesia corre aos botes e deixa a orquestra tocando para a segunda e a terceira classe se afogar. Jogaram todo peso da crise capitalista sobre a classe trabalhadora. Seu (Michel) Temer retirou todos os direitos sociais, 13º, fim de semana remunerado, férias e aposentadoria. Quem não contribui por 35 anos tá fora da Previdência”, listou.
Meio ambiente como ativo do capital
O capital financeiro corre para os bens da natureza para transformar o que são papéis fictícios em patrimônio para ter maior segurança, explicou Stédile ao destacar o ataque aos bens ambientais, como terra, floresta, água e minério para proteger seu capital. “Essa ofensiva gera contradição que são os crimes que alteram o equilíbrio, gera desaparecimento da água e o aquecimento global”.
O palestrante aposta no fortalecimento de uma grande frente nacional de movimentos, entidades, organizações e partidos para contribuir na construção de uma saída, mesmo que a longo prazo, desta crise.
“Temos de sair como classe organizada para se defender da ideologia burguesa. Organizá-los para que lutem contra o inimigo certo”, programa.
Ao encerrar o ciclo, a presidenta do Instituto Justiça Fiscal destacou que o MST já ocupava o Ministério da Fazenda há muitos anos em seus protestos porque tinham clareza onde as coisas precisam mudar. “O movimento compreendeu a ligação da questão tributária e a precariedade do povo trabalhador”, registrou Maria Regina Paiva Duarte.
Ela salientou que a Campanha Tributar os Super-Ricos entrou em nova fase em setembro com a soma do Movimento Vida e Justiça, e o protocolo dos projetos no Congresso Nacional, vinculando recursos para atender sobreviventes da covid-19, a partir de programas de Seguridade Social.
A aula teve mediação de Tamires Sampaio, diretora do Instituto Lula. O ciclo de debates teve uma série de 10 aulas todas as terças-feiras com a palestra de abertura feita pela ex-presidenta Dilma Rousseff.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko