A Venezuela se prepara para a volta às aulas presenciais depois de quase dois anos de pandemia e quarentena a nível nacional. O governo de Nicolás Maduro determinou que o regresso à sala de aula deveria começar a partir do dia 25 de outubro e, para isso, foram intensificadas as campanhas de vacinação nas escolas e universidades.
Na Universidade Central da Venezuela (UCV), maior instituição de ensino superior do país, foram realizadas duas grandes jornadas de imunização, coordenadas por professores e estudantes dos cursos de medicina, enfermagem, nutrição e biomedicina.
As federações universitárias haviam publicado uma carta conjunta no início de 2021 solicitando a vacinação prioritária nas universidades.
“Nós escrevemos um documento solicitando vacinação não só para a faculdade de medicina, mas para toda a comunidade universitária. Afinal todos temos direitos iguais. Isso foi em março deste ano e já estamos em outubro”, afirma a estudante de medicina e conselheira estudantil Yuni Ruiz.
A comunidade universitária inclui cerca de 30 mil estudantes e 10,8 mil trabalhadores No entanto, até o momento, foram vacinadas cerca de 1.500 pessoas. Segundo o vice-reitor administrativo, boa parte dos servidores e estudantes da instituição já havia sido atendida por outros programas de vacinação do Estado.
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"O que quero destacar é que, independente das cifras de vacinados, a universidade colocou todos seus esforços e recursos médicos e sanitários nesse momento. Queríamos que as faculdades de medicina fossem parte desse processo, assim se desburocratiza, e se despolitiza, porque não é um problema político, é um problema social que afeta todos, não importa como pensemos", defende Amálio Belmonte Guzmán, vice-reitor administrativo da UCV.
"Somos mais de 50 voluntários colaborando com a faculdade de medicina para poder realizar essa jornada. Então esse exercício é uma espécie de escola, porque saímos a exercer uma parte da nossa profissão", comenta a estudante de medicina, Yuni Ruiz.
Na UCV, a vacinação é feita com a fórmula chinesa Sinopharm, a mais abundante no país. No entanto, a Venezuela também adquiriu a Sputnik V e a fórmula cubana Abdala, recebendo um novo lote de 900 mil doses na última semana.
Com isso, a campanha de vacinação foi aberta a todos venezuelanos maiores de 18 anos. A partir desta semana as pessoas podem procurar um centro de saúde para se imunizar sem agendamento prévio.
O objetivo do governo bolivariano é imunizar completamente cerca de 70% da população até o final de outubro para levantar as medidas de isolamento social em todo o território nos dois últimos meses do ano.
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No entanto, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), até o momento, somente 20% da população venezuelana completou o ciclo de imunização.
O país atravessa uma terceira onda de contágios do novo coronavírus, com uma média de 10 mil casos registrados na última semana, um recorde negativo para 2021. Desde fevereiro de 2020, a Venezuela acumula 375 mil casos e 4,5 mil falecidos pela doença, segundo dados oficiais.
“Sabemos que há um aumento de casos agora, mas também sabemos que se vacinamos a resposta ao vírus e à doença é muito melhor, portanto nosso desejo é vacinar os estudantes. Que em outubro as aulas sejam presenciais? Vai ser difícil. Acredito que devemos pensar numa forma progressiva, com grupos pequenos, em estruturas arejadas, mantendo toda as medidas de biossegurança”, defende o decano da faculdade de medicina da UCV, Emígdio Balda.
Educação formal x nova normalidade
O anúncio do retorno das aulas presenciais também abriu o debate na Venezuela sobre as condições de retomada do ensino formal. Alguns defendem que o ensino híbrido (online e presencial) veio para ficar.
"O vírus chegou e ele não vai embora. Devemos nos acostumar a isso e a educação mudou. Talvez essas aulas magistrais com 180, 200 estudantes já não existirão”, afirma Balda.
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O Conselho Universitário da UCV aprovou um retorno gradual, por grupos, a partir de outubro e os cursos já estão elaborando proposta de ensino semipresencial.
Por outro lado, há quem defenda que as aulas presenciais, com o intercâmbio entre professores e estudantes é insubstituível.
“Claro que muitas coisas mudaram, mas a relação substancial do professor com o aluno, a relação cara a cara, é imodificável em relação ao conteúdo e ao que isso representa, porque somos seres humanos”, defende o vice-reitor da UCV, Amálio Belmonte Guzmán.
Não basta a vacina
A pandemia afastou ainda mais os jovens das universidades. Com 60% da população com acesso à internet e problemas de fornecimento de energia elétrica, muitos discentes não conseguem acompanhar as aulas online.
A residência estudantil da UCV também foi desocupada para se tornar um hotel sanitário com pacientes com covid-19, portanto cerca de 150 pessoas tiveram de retornar às suas cidades de origem, sem perspectiva de poder retornar à capital. Em 2018, o índice de deserção escolar da Universidade Central era de 30%, após a pandemia a expectativa é que a cifra possa ser ainda maior.
“Perdemos a oportunidade de permanecer na universidade, porque grande parte dos estudantes teve que se dedicar a trabalhar e esse é o grande dilema dos estudantes venezuelanos agora. Quem vive no interior deve buscar residência, quem trabalha tem que ver como equilibrar o emprego com aulas no meio da tarde... e a maioria opta por comer ao invés de estudar”, afirma Ricardo Millán, estudante de história da UCV e membro da Confederação de Estudantes da Venezuela (Confev).
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Diante desse cenário, a comunidade acadêmica deixa claro: não é necessário só vacinação para retomar a normalidade do ensino.
Para os estudantes é necessário ampliar as políticas de permanência, com a reabertura da residência estudantil, do restaurante universitário e subir o valor das bolsas de estudo, que após a reconversão monetária, equivale a 0,32 bolívares, podendo chegar a 1 bolívar para bolsas de monitoria.
Para os professores também falta estrutura para trabalhar e reajuste salarial. Um professor titular na UCV recebe um salário-base de 46 bolívares, equivalente a cerca de US$ 10, ou R$ 54, considerado um dos mais baixos da região.
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Por isso a principal exigência é uma reunião do ministério de Educação Universitária com os sindicatos de cada categoria e as diversas federações estudantis para estabelecer uma agenda de trabalho em outras áreas além da pandemia.
Em agosto o Executivo também criou uma comissão para recuperar as estruturas da Universidade Central da Venezuela, uma das primeiras universidades criadas na América Latina, em 1721, considerada patrimônio histórico e cultural da Unesco. Segundo Millán, nos anos anteriores os estudantes já haviam organizado 20 jornadas de recuperação dos espaços da UCV, de maneira voluntária, com dinheiro arrecadado pelos grêmios.
Edição: Thales Schmidt