Se as provas contra uma pessoa são obtidas pela polícia a partir de uma invasão ao domicílio feita sem autorização ou mandado judicial, elas deixam de valer. Foi esse o entendimento unânime da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em decisão publicada em 22 de setembro.
De acordo com o colegiado, a entrada da polícia em um domicílio só pode acontecer por fortes razões que a justifiquem, não bastando “mera atitude suspeita” ou “desconfiança policial”.
A posição se baseou também em outra determinação dos mesmos magistrados, feita em março desse ano no habeas corpus 598.051. Nela se define que quando não houver mandado judicial, a entrada de policiais na casa só pode acontecer a partir de uma autorização da pessoa que ali reside, gravada em áudio ou vídeo, para diminuir o risco de uma invasão não consentida.
“Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos”, afirma a decisão recente, criticando “fatores subjetivos” usados como critérios para ações policiais, “como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas”.
Para Dimitri Sales, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), o entendimento do STJ "é importantíssimo por jogar luz à uma prática que afeta principalmente jovens, negros e moradores das periferias". Além disso, aponta Sales, a medida "reestabelece a legalidade".
No entanto, pondera, a decisão "não configura uma mudança de comportamento nem dos agentes de segurança, nem do poder judiciário: ela é um farol, ainda a guiar que realmente consigamos combater o racismo e estabelecer o respeito à dignidade humana".
Tendo como relator o ministro Antonio Saldanha Palheiro, a determinação do STJ, que abre precedentes, se debruça em um caso específico que aconteceu no Paraná.
Segundo o processo, denúncias anônimas de que uma pessoa estaria cultivando e traficando maconha levaram a polícia até o local. Ali, teriam entrado na casa da vizinha do suspeito e em seguida, por cima do muro, na residência do réu do processo. Teriam apreendido, então, plantas de maconha e balança de precisão.
O magistrado argumenta que não há justificativa para o ingresso forçado nos domicílios, pois diante das denúncias a polícia deveria ter solicitado um mandado judicial para busca e apreensão. Daí, a anulação das provas.
“A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos”, afirma o relator, “pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar, a qual protege não apenas o suspeito, mas todos os moradores do local”.
Edição: Anelize Moreira