Covid-19

Artigo | Como a história se lembrará da Prevent Senior e suas ações em meio à pandemia?

A empresa é responsável, de acordo com as investigações da CPI da Covid, por compelir a prescrição do kit covid

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Levante Popular da Juventude faz escracho na sede da Prevent Senior, em São Paulo, no dia 30 de setembro.
Levante Popular da Juventude faz escracho na sede da Prevent Senior, em São Paulo, no dia 30 de setembro. - @guifrodu

A luta pela reconstrução da democracia perpassa necessariamente pela reivindicação da memória, sobretudo em um país como o Brasil, que tem marcado em sua construção social uma cultura de distorção narrativa – justificada enquanto “versão” dos processos, sejam do período colonial, escravista ou ditatorial.

Por quantos monumentos, ruas e repartições em referências a personagens de períodos vexaminosos da nossa construção social nós cruzamos cotidianamente? De certa maneira, para além da impunidade, esses personagens são homenageados na escolha deliberada pela manutenção dessas estruturas. E por que não nos preocuparmos com quantos personagens da história atual se escondem hoje, também impunes – e com riscos de serem igualmente homenageados no futuro – atrás de grandes conglomerados que lucram em detrimento da vida do povo brasileiro?

A Prevent Senior é um desses exemplos. A empresa é responsável, de acordo com as investigações da CPI da Covid, por compelir a prescrição da aplicação de um “tratamento” à pacientes com diagnóstico de covid-19 a base de remédios como azitromicina e hidroxicloroquina – popularmente conhecido como “kit covid”, a fim de evitar os custos da internação, além de gerar a impressão de que havia um tratamento eficiente contra a doença, tendo em vista corroborar com a agenda do governo Bolsonaro para beneficiar a indústria farmacêutica com a venda dos medicamentos em questão.

::Paciente da Prevent Senior: "Sou testemunha da política criminosa dessa corporação"::

Em meio a uma pandemia, que já matou quase 600 mil brasileiros, esse é um exemplo emblemático de qual a lógica das grandes empresas: o lucro acima (até mesmo) da vida.

Mas após quase dois anos – e tantos escândalos depois – de pandemia, alguns exemplos de como os empresários conseguiram faturar com a situação sanitária já foram esquecidos no imaginário social. Apesar de a pandemia da covid-19 ser um marco inesquecível na história da humanidade, as atrocidades cometidas pelas elites em desfavor do povo brasileiro não necessariamente serão memoráveis, assim como tantos outros algozes de outros períodos históricos foram esquecidos, o mesmo pode acontecer com os do nosso tempo. A questão é: deixaremos isso acontecer?

O escracho à Prevent Senior realizado pelo Levante Popular da Juventude assinala para a resposta de que os movimentos populares não estão dispostos a deixarem os mais de meio milhão de brasileiros e brasileiras mortos serem esquecidos e nem que os culpados sejam mantidos impunes.

A ação realizada foi uma importante incitadora do diálogo com a sociedade, demarcando que é imprescindível que não se deixe cair no esquecimento nem as vítimas e nem os culpados, contribuindo para a criação do sentimento de repúdio social e envolvendo a sociedade civil na luta pela memória.

A construção de ações diretas tem como objetivo traduzir os acontecimentos de maneira a buscar efetivar não só a compreensão do fato em si, como também a quais interesses o ocorrido responde. É uma agitação importante que os movimentos populares culturalmente constroem, uma vez que ajudam a sociedade a compreender quais os papéis dos personagens nesse jogo da vida, bem como trazem a reflexão sobre em quais papéis nós, enquanto sujeitos, queremos nos colocar na história: de meros leitores, ou de protagonistas na construção da narrativa?

Quais, então, serão os honrados da nação do nosso tempo histórico? Reivindicar a memória e convidar a sociedade ao diálogo e a reflexão é parte imprescindível do processo de reconstrução da democracia, sobretudo da perspectiva de uma democracia participativa e popular, onde os personagens construtores da narrativa sejam não mais os que praticam os horrores, mas, sim, os que escracham.

*Membro da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude e Diretora da UNE

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Francisco Barbosa