Talvez as máscaras sejam a última medida a ser retirada, porque elas são muito simples e eficazes
O Brasil encerra esta semana em meio ao anúncio de realização do Carnaval 2022 em algumas capitais. É o caso de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), por exemplo, cujas prefeituras projetam a folia momina do ano que vem com os tradicionais festejos de rua.
Na capital carioca, o prefeito, Eduardo Paes (PSD), divulgou no domingo (3) que a festa deve ocorrer sem políticas de distanciamento ou outras restrições. A gestão também planeja festa de réveillon na cidade, que costuma fazer a maior virada do ano do país. Na passagem de 2018/2019, por exemplo, a praia de Copacabana recebeu 2,8 milhões de pessoas. No ano seguinte, foram 100 mil pessoas a mais.
Em São Paulo, a prefeitura anunciou, na ultima terça (5), as inscrições pros blocos que pretendem sair às ruas. E a previsão não é nada modesta: a ideia é que o evento seja o maior da história, com mais de 15 milhões de brincantes pela cidade.
Tradicionalmente de caráter popular, as festas de carnaval costumam provocar aglomerações entre foliões nos diferentes pontos do país. O comportamento é tido como de alto risco para a multiplicação do vírus da covid-19 entre grupos e multidões. De caráter potencialmente infeccioso, a doença é transmitida por meio de contato direto com uma pessoa infectada e através de gotículas contaminadas.
Por conta disso, o anúncio de realização do carnaval de rua em algumas capitais deixou especialistas em alerta. O país enfrenta hoje um cenário de queda gradual na média móvel do número de casos de covid e de mortes. Acompanhado dia a dia, o medidor calcula o número de registros de novas infecções e de óbitos nos sete dias anteriores a cada data.
Com isso, os especialistas e autoridades de saúde conseguem acompanhar e observar em detalhes o andamento da pandemia. Nesta sexta (8), por exemplo, a média móvel das mortes pela doença no país está em 453, enquanto, na última sexta (1º), estava em 513.
O médico de família e comunidade Aristóteles Cardona Jr., da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, acredita, no entanto, que a projeção de ocorrência das festas de carnaval é uma medida precipitada dos governos municipais em questão.
“A gente precisa olhar a partir da realidade que se vê em outros países do mundo. Há países em que o controle se deu de maneira tão forte que várias medidas estão sendo deixadas de lado, já acontecem as atividades noturnas, festas, outras atividades. Mas também há outros que, por algum motivo em específico, mesmo com a vacinação, a gente tem acompanhado aumento do número de casos”, observa Cardona Jr.
“Estamos a três meses do final do ano, ainda tem um tempo maior pra chegar ao carnaval e tem muita coisa pra acontecer pela frente. É claro que os governantes precisam se preparar, se programar, mas fico um pouco preocupado com esses anúncios, especialmente pela forma como se está anunciando”, complementa o médico.
Vacina anticovid
A notícia da volta dos festejos de carnaval surge no contexto de avanço da vacinação no país. O Brasil tem hoje uma média de 45% da vacinação com esquema vacinal completo, o que compreende as duas doses do imunizante. São cerca de 96,5 milhões de brasileiros nessa situação.
“Se tem um grande motivo que a gente tem pra comemorar, mesmo com a chegada de novas variantes — como a delta, que a gente viu chegar posteriormente —, se tem algo que a gente deve apontar e ao qual devemos agradecer por essa queda, é a vacinação. A gente não tem dúvida disso e a gente acompanha isso em outros países”, comenta Cardona Jr., destacando que a relação é sempre diretamente proporcional.
600 mil mortos
O avanço da vacinação é apontado também pelos especialistas como o principal responsável pela chegada mais demorada do país ao mais novo recorde da pandemia em território nacional, o montante de 600 mil mortos, atingidos nesta sexta-feira (8).
Os número da covid no país mostram que o intervalo entre as 200 mil e as 300 mil mortes, por exemplo, foi de 75 dias, enquanto entre os 300 mil e os 400 mil mortos o Brasil percorreu 36 dias. Desta vez, a distância entre o último recorde, de 500 mil vidas ceifadas pela covid, e o número atual foi de cerca de quatro meses.
Apesar da gravidade representada pelo montante de 600 mil, o ritmo mais lento dos números é visto como um avanço do país, cuja crise sanitária tem chamado a atenção do mundo desde o ano passado.
Uso de máscara
O intervalo mais espaçado do novo recorde não parece motivo, no entanto, para, por exemplo, optar-se por medidas mais ousadas como a queda da obrigatoriedade do uso de máscaras em espaços públicos e de convivência social. É o que avalia Ari Cardona Jr.
Ele considera temerária a iniciativa tomada esta semana pela prefeitura de Duque de Caixas, município da Baixada Fluminense (RJ), que editou um decreto na última terça (5) liberando a população dessa medida de prevenção.
A iniciativa foi um dos destaques da pandemia esta semana no país e gerou reações críticas de especialistas e outros atores. A disputa foi parar na Justiça, após questionamento do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Os dois órgãos alegaram descumprimento de medida judicial anterior que determinou que municípios não podem afrontar normas colocadas pelo governo estadual, bem como baixa cobertura vacinal e carência de embasamento científico para sustentar a decisão tomada pelo prefeito Washington Reis (MDB).
“A gente vê prefeitos querendo se antecipar e trazer essa boa notícia, mas isso é um problema porque o uso de máscara é uma medida muito eficaz e muito simples de se conter a transmissão do vírus. Sozinha ela não resolve, claro, mas ainda é muito cedo. Talvez as máscaras sejam a última medida a ser retirada, exatamente porque elas são muito simples e eficazes”, resume o médico da rede.
Edição: Lucas Weber