A escalada de aumentos na conta de luz em 2021 já é três vezes maior do que a inflação do período. E isso que o índice inflacionário deste ano já ultrapassou os 7%. Para se ter uma ideia, os últimos números do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) mostram a inflação mais alta para setembro dos últimos 27 anos. E junto com a disparada da conta da luz, vem a dos combustíveis, do transporte e da alimentação em geral.
Enquanto Jair Bolsonaro faz o consumidor pagar mais caro pela energia elétrica, seu ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que “não há problema” se a conta ficar um pouco mais cara.
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Brasil de Fato RS conversou com Gilberto Cervinski sobre este assunto. Ele é um dos dirigentes nacionais do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que faz um debate diário e permanente da questão. Cervinski acha que essa história está muito mal contada.
Veja como ele explica os números assustadores que estão aparecendo na sua conta de luz:
Brasil de Fato RS – Por que a energia elétrica do Brasil é uma das mais caras do mundo? Estudo recente da Federação das Indústrias/RJ (Firjan) indicou o custo do país para a energia como o quarto mais alto entre 27 países pesquisados. No Brasil, o megawatt/hora custa R$ 329, enquanto que, por exemplo, na nossa vizinha, a Argentina, sai por R$ 88,10...
Gilberto Cervinski - A principal causa de se pagar tão caro pela energia elétrica brasileira é a privatização, que transferiu a propriedade das usinas, linhas de transmissão e distribuidoras para agentes empresariais particulares que têm como donos principais bancos e grupos (fundos) internacionais em aliança com a burguesia brasileira.
Com a privatização passaram a estabelecer como padrão o preço internacional de energia, ou seja, cobram como se o Brasil produzisse eletricidade por meio de usinas térmicas a carvão, gás e óleo diesel. Porém, nosso país gera energia à base de água, que é uma das mais baratas do mundo. Por exemplo, na usina de Jacuí da CEEE o custo de produção (O&M) é de R$ 20,00/1.000 kWh, mas o povo em Porto Alegre paga ao final R$ 900,00 pela mesma energia. Com isso ganham lucros extraordinários.
Está havendo o 'privilegiamento' dos privilegiados
BdF RS - A tarifa da luz já subiu quase três vezes o índice da inflação neste ano. Está em 7% arrochando o orçamento das famílias mais pobres. Mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que “não adianta ficar chorando”... O que diz sobre isso?
Cervinski - Só este ano o governo Bolsonaro criou a taxa da “bandeira da escassez” que representa para os gaúchos um aumento de cerca de 22% na conta de luz, mas a CEEE teve ainda no último “reajuste” mais 8% de aumento, a RGE Sul teve 10%.
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Em menos de 12 meses, o aumento acumulado é superior a 30% na conta de luz, mas o salário-mínimo teve apenas parte da correção da inflação. Assim também tem sido com o preço do gás, feijão, arroz, carne, combustíveis, água, etc. Se tá caro, a culpa é da política do governo Bolsonaro.
Em cinco anos, as empresas embolsaram R$ 140 bilhões
BdF RS - Se o consumidor sai perdendo, quem está levando vantagem? São, a exemplo do que ocorre com os combustíveis, os acionistas das empresas privatizadas?
Cervinski - O povo é a grande vítima. É quem está pagando a conta. Os acionistas dessas empresas são os beneficiados. Florestan Fernandes caracterizava esse tipo de política como política de “privilegiamento dos privilegiados”.
BdF RS - Enquanto o Brasil perdia vidas e empregos na pandemia, os acionistas das empresas elétricas não tinham do que reclamar. Consta que, em 2020, eles embolsaram R$ 14 bilhões em dividendos...
Cervinski - Os lucros são abusivos. Descontados todos os custos e impostos, em cinco anos essas empresas (do setor elétrico) embolsaram R$ 140 bilhões por meio das contas de luz, na forma de lucro líquido e juros da dívida. Isso equivale, em média, a R$ 1.600,00 por consumidor.
BdF RS - Nos anos 1990, no período FHC, começou a privatização do setor elétrico sob o argumento que a energia iria ficar mais barata. Mas, desde então, além de encarecer a tarifa, houve apagões. O que aconteceu?
Cervinski - O argumento de que ficaria mais barata é discurso ideológico para manipular os ingênuos. A piora na qualidade da energia (energia fraca e oscilante) e perda de qualidade no atendimento é resultado da demissão de trabalhadores, precarização do trabalho e diminuição dos investimentos em manutenção das estruturas. Os racionamentos e apagões são consequências dessa lógica privada que só quer o lucro máximo.
O governo tenta culpabilizar o clima e as pessoas
BdF RS - Os reservatórios das hidrelétricas no Sudeste e no Sul estão abaixo do patamar de 2001, quando o país foi obrigado a racionar energia. Racionamento é o que vem pela frente de novo?
Cervinski - O esvaziamento dos reservatórios aconteceu antes da seca do Sudeste. É a farsa da crise hídrica. Esvaziaram antes as usinas para gerar aumento das tarifas agora e aumentar o lucro por longos anos. Mas o governo perdeu o controle e virou um caos. Pela incompetência deste governo militarizado, há o risco de haver uma onda de apagões regionais nos horários de maior consumo, além de novos e grandes aumentos nas contas de luz nos próximos cinco anos.
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BdF RS - A prática do governo Bolsonaro tem sido sempre a de transferir suas responsabilidades. Foi assim com os 600 mil mortos da pandemia, o desemprego, a inflação, etc. Como o governo se agarra na falta de chuva para ocultar sua paralisia na crise energética, a conta vai ficar para São Pedro?
Cervinski - O governo tenta culpabilizar o clima e as pessoas. Mas a responsabilidade é do governo que operou as hidrelétricas desse jeito. Nossas hidrelétricas têm um enorme tanque de reserva. Quando cheios, podem fornecer energia 24 horas por dia ao longo de quatro meses sem entrar neste tempo nenhuma gota de chuva e nenhuma gota de água em nenhum dos rios do país.
Apagões são consequência da lógica privada do lucro máximo
BdF RS - Às vezes, até se esquece, mas o alto custo da energia elétrica – assim como o dos combustíveis – tem um forte impacto no preço dos alimentos, cujos preços não param de subir no Brasil. O que podemos esperar nesse sentido?
Cervinski - Os dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, nestes três anos, o feijão de cor aumentou 138%, o arroz fino T1 (agulha) 90%, a carne de boi 140%. E isso porque acabaram com os “estoques públicos de alimentos” que permitiam ao governo controlar os preços. E abriram as fronteiras com a desvalorização do real para exportação com zero taxa de tributos e os alimentos assumiram o preço internacional.
Assim é com os derivados do petróleo como gás de cozinha, gasolina e diesel. O governo privatizou as empresas de ponta que controlavam os preços como Liquigás (gás de cozinha) e BR Distribuidora (combustíveis). Privatizou as empresas de produção de insumos agrícolas, além de reduzir a produção interna de combustíveis, adotando a política de preço internacional baseada na variação do dólar. Ou seja, favoreceu o interesse das petroleiras internacionais. E ao subir o preço dos combustíveis, de certa forma cria-se uma inflação dos preços em cadeia.
BdF RS - Como se explica que o Brasil não tenha apostado mais fortemente em energias alternativas como a solar, a eólica e a das marés?
Cervinski - O problema não é de tecnologia. A questão central é a política energética que prioriza o chamado “modelo de mercado”. Que é caracterizado por controle privado internacional, lógica de financeirização, regime de preço de tarifa internacional, precarização do trabalho e uso de matriz vantajosa para gerar o chamado “lucro extra”. São as causas do problema.
A questão central é a política energética que prioriza o modelo de mercado
BdF RS – Seis anos após o rompimento da barragem do Fundão, da Samarco, e três anos depois do desastre da barragem de Brumadinho, da Vale, ambas somando centenas de mortes, contaminação e destruição ambiental, o que o Brasil aprendeu?
Cervinski - Os governos e empresas aprenderam pouco ou nada. Os atingidos seguem até hoje em luta pelos seus direitos. Não há até hoje uma política de segurança de barragens adequada. Vejam, o governador do Rio Grande do Sul revogou a única lei que garantia direitos aos atingidos por barragens neste estado. Isso vai na contramão das lições que deveriam ser tiradas. Mas o MAB e os atingidos seguem organizando o povo. A luta dos atingidos por barragens é justa e necessária.
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Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko