Na semana passada, o governo Bolsonaro vetou a distribuição gratuita de absorventes para mulheres. Após grande pressão da sociedade e nas redes sociais, ele sinaliza recuar da medida.
No entanto, o tema já valeu por si mesmo para mostrar a postura do governo em relação às condições de vida das mulheres – e a ignorância governamental sobre o tema da chamada pobreza menstrual.
Segundo o Unicef, 62% das meninas afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar por causa da menstruação, e 73% sentiram constrangimento nesses ambientes. Em entrevista com Marcia Cordeiro, integrante do Coletivo Manacá, que produz absorventes ecológicos em parceria com costureiras e grupos populares, fala sobre a falta de acesso a absorventes menstruais faz com que com que muitas mulheres improvisem materiais, como jornais e panos velhos, comprometendo a saúde.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato Paraná. O Coletivo Manacá aborda um tema essencial para a vida feminina e, por consequência, de grande relevância social. Ao mesmo tempo, parece ser um assunto invisibilizado enquanto item básico para a vida das mulheres. Qual a importância da discussão sobre a pobreza menstrual?
Marcia Cordeiro. Metade da população do país é formada por mulheres que durante boa parte da sua vida menstruam. Porém esse tema ainda é um tabu, pouco discutido na sociedade e nas políticas públicas. Isso acontece porque a estrutura ainda é pensada por homens e para homens, resultando na desigualdade de direitos e oportunidades. A realidade hoje é de milhares de meninas e mulheres que não têm acesso a absorventes menstruais e demais itens de higiene, dificultando as atividades diárias, o pleno desenvolvimento e a dignidade. Segundo o Unicef, 62% das meninas afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar por causa da menstruação, e 73% sentiram constrangimento nesses ambientes. Isso se agrava quando se trata da falta de acesso a banheiros e saneamento básico, como mulheres em situação de rua e privadas de liberdade. A falta de acesso, faz com que muitas mulheres improvisem materiais, como jornais e panos velhos, comprometendo a saúde. Vivenciamos, como educadoras e professoras, muitos casos de falta de meninas em sala de aula no período menstrual, por falta da mínima condição de suprir a necessidade no período. Ou ainda que utilizam de materiais inadequados para conter o sangramento como citado acima. A pobreza menstrual é um problema de saúde pública, de educação, saneamento básico e direitos humanos.
Vocês formam um coletivo de costura e reflexão, que tem pautado a produção de absorventes ecológicos e capacitado mulheres da periferia nessa produção. E também nesse debate. Como receberam a notícia do veto de Bolsonaro à distribuição de absorventes?
Temos consciência de que no governo mais misógino da história desse país, avançar com essa pauta tão necessária para as mulheres, não seria fácil. Acompanhando o posicionamento que o próprio tem nas questões de gênero e de classe, o quanto fere a dignidade de tantos, inclusive das mulheres brasileiras que estão à frente das vulnerabilidades mais urgentes e considerando dados que mostram o quanto mulheres foram atingidas nessa pandemia em todas as esferas sociais: desemprego, despejo, demanda com seus filhos, cuidado de familiares. Decidimos nos juntarmos com mais mulheres de diferentes realidades e grupos de costureiras para refletir sobre o tema da menstruação e costurar os absorventes de tecido que são para muitas, uma opção saudável, econômica e ecológica. Serão distribuídos gratuitamente na comunidade e comercializados por elas para que juntas possamos defender o direito de viver com dignidade.
Como observam, neste momento de alta do custo de vida, de itens básicos e de extrema precarização da vida do povo, a situação das mulheres na periferia e o seu acesso a itens de higiene?
No momento atual muitos direitos estão sendo recusados: a alimentação, a moradia, educação, trabalho. Nessas condições, as mulheres em vulnerabilidade são as mais afetadas e muitas vezes são as responsáveis pelo cuidado de toda família. Claro que vão escolher comprar comida em lugar de absorventes. Os itens de higiene que deveriam ser considerados essenciais, como os absorventes e sabonetes, estão hoje na classificação de cosméticos e assim recebem alta taxa de impostos, aumentando o preço e dificultando o acesso. É urgente que esses itens sejam considerados de necessidade básica e que haja a distribuição gratuita em escolas e postos de saúde para as meninas e mulheres que precisam, assim como é com a camisinha masculina. Muitos grupos estão divulgando o tema e vamos continuar a lutar pelas políticas de dignidade menstrual de acesso aos itens de saúde e conhecimento do tema por homens e mulheres.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lucas Botelho