Fechada desde o início da pandemia causada pela covid-19, a Ponte Internacional Tancredo Neves, que une Foz do Iguaçu, oeste do Paraná, a Puerto Iguazú, departamento de Missiones (AR), foi reaberta no último dia 27, sob um novo cenário para quem a trafega.
Cerca de 500 metros à frente da aduana brasileira, a poucos passos da rodovia responsável por ligar os dois países, a margem direita da pista está ocupada por habitações precárias improvisadas por famílias em situação de vulnerabilidade na região.
“Tem brasileiro, tem argentino, tem paraguaio, tem de tudo. O povo não consegue mais pagar aluguel. Eu cheguei com meus filhos depois que fiquei desempregada, logo que começou a pandemia. Quando soube dessa oportunidade, limpei o terreno e ergui minha casa. Do contrário, estaria na rua”, compartilha a mãe de quatro crianças com idade entre dois e seis anos.
Receosa em ser identificada, a chefe da casa de três cômodos de terra batida pediu para não ter seu nome divulgado pela reportagem. “Tenho medo que venham aqui e tirem a gente, mas enquanto isso não acontece, é a única forma que encontrei para viver com o mínimo de dignidade”, completa.
Sem água tratada, saneamento básico, energia elétrica ou qualquer outro serviço básico de infraestrutura, mais de 60 famílias compõem o que se convencionou chamar de 'Bubas2'. “Trata-se de uma ocupação dentro de outra ocupação”, explica Cecília Angileli, ex-vice reitora da Universidade Federal da Integração Latino Americana e pós-doutora em Gestão e Desenvolvimento Territorial.
“Por meio da Escola Popular de Planejamento da Cidade, realizamos entre 2018 e 2019 uma série de estudos sobre a expansão da Ocupação Bubas. Denominamos esta nova área como 'Bubas2'. À época, fizemos o cadastro dos novos moradores e identificamos cerca de 60 famílias, com média salarial de R$ 500. Desde então, este número só tem aumentado”, informa a pesquisadora.
De acordo com Angileli, boa parte das famílias vieram da própria ocupação. “Observamos que muitos casos eram de pessoas que pagavam aluguel dentro da ocupação, e que viram na área desocupada a oportunidade de ter a moradia própria”, explica.
Foi o caso da comerciante Jenny Fernandes. Mãe de duas crianças, a jovem de 24 anos construiu seu barraco com a ajuda do marido. “Eu estava desempregada, não tinha mais condição de pagar aluguel. Era tudo dominado por mato, limpamos o que precisava e hoje temos nossa casinha, é simples, mas é do nosso jeito”, compartilha.
Dentre os incômodos de viver no local sem estrutura mínima para habitação, a mãe destaca o barulho constante dos caminhões que trafegam pela ponte e os animais peçonhentos que dominam o espaço. “É muito barulho de caminhão, o tempo todo. E também tem o risco de picada de insetos peçonhentos, cobras, aranhas. Não é fácil, mas é o que temos”, conclui.
Oito anos de luta e espera
Iniciada em janeiro de 2013, a “Ocupação Bubas” começou em um terreno de 40 hectares, que até então não possuía função alguma, e passou a servir de abrigo para pessoas em situação de vulnerabilidade social marcadas pela falta de oportunidade e assistência por parte do poder público.
Logo que o terreno foi ocupado, o proprietário do imóvel, Francisco Buba, engenheiro civil pioneiro em Foz do Iguaçu, acionou a Justiça com um pedido de reintegração de posse. Chegou a ganhar o direito na Justiça e uma ordem judicial foi expedida ao Governo do Paraná para que fizesse cumprir a retirada das famílias sob risco de uso de força policial, em caso de descumprimento. Os moradores não arredaram o pé, e, por falta de efetivo da Polícia Militar, à época, não houve o despejo. Desde então, a ocupação seguiu se expandindo.
Em meados de 2015, coube à Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) entrar na ocupação e iniciar, por meio de cursos de extensão e monitorias, o processo de cadastramento de todos que lá viviam, trabalho até então nunca realizado pela prefeitura de Foz do Iguaçu nem pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar).
A participação da universidade dentro da ocupação foi fundamental para que em abril de 2017 a Justiça local revogasse o pedido de reintegração de posse apresentado por Francisco Buba. Com uma decisão fundamentada em artigos da Constituição Federal que garantem o direito à moradia e também em tratados da Organização das Nações Unidas (ONU), o juiz Rogério Vidal Cunha negou a retirada das famílias do imóvel.
Desde a decisão favorável às famílias, o processo passou a tramitar no Tribunal de Justiça do Paraná. Cabe agora à segunda instância julgar quem irá pagar a indenização ao proprietário do imóvel, avaliado em mais de R$ 70 milhões. A retirada dos moradores não está mais em discussão. Mesmo assim, a falta de sentença definitiva é utilizada pela Prefeitura de Foz como argumento para não dar início ao processo de urbanização do bairro, considerado ilegal.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Foz do Iguaçu informou que não iniciou o processo de urbanização no local “porque ainda não há amparo legal para intervenções na área, que é privada”.
Por sua vez, o Governo do Paraná rebateu a justificativa do município. “A discussão sobre eventual indenização à família proprietária e sobre o responsável pelo seu pagamento em nada interfere na possibilidade de realização de regularização fundiária da área. Isto pelo fato de que a reintegração de posse já foi julgada improcedente, bem como porque a Lei 13.465/2017 determina a possibilidade de regularização fundiária urbana mesmo em áreas ocupadas.”
Enquanto o poder público não age de forma efetiva para resolver o problema, a ocupação segue crescendo. Atualmente, a população estimada está em mais de oito mil pessoas.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini