A multinacional chinesa CMOC, dona da indústria de fertilizantes Copebras, com sede em São Paulo, prometeu a seus investidores não importar mais ao Brasil fosfato roubado do Saara Ocidental.
A informação foi obtida e divulgada nesta quinta-feira (14) no portal do Observatório dos Recursos do Saara Ocidental (WSRW, na sigla em inglês), que menciona duas vezes a denúncia publicada pelo Brasil de Fato em janeiro.
Na época, a Copebras não respondeu aos questionamentos da reportagem. As demais empresas importadoras negaram ter trazido do Saara Ocidental a matéria-prima para os fertilizantes – apesar das evidências levantadas pelo BdF junto ao WSRW.
A novidade desta quinta é que o Observatório teve acesso a informações e depoimentos internos em que a CMOC admite aquela compra, como um “caso isolado”, e promete ser diligente ao fiscalizar o local de origem das rochas fosfáticas.
“O WSRW está em contato com três dos proprietários da China Molybdenum [CMOC] que receberam essas mesmas informações do departamento de relações com investidores da empresa. A empresa parou as compras”, diz o texto publicado no portal do Observatório.
“Fizemos contato com a empresa para saber mais sobre o incidente. Tivemos um bom diálogo com a empresa, que garante que se tratou de um incidente único e que vão acompanhar o tema de perto. A empresa esclareceu que não vai comprar mais fosfato sem antes ter realizado ampla diligência”, disse ao WSRW o analista sênior da KLP Asset Management e investidor da CMOC na Noruega, Kiran Aziz.
“Um investidor da CMOC em outro país recebeu a resposta de que não haverá mais importações”, completa o texto do Observatório.
Leia também: Filme mostra como empresas contribuem com o roubo de recursos do Saara Ocidental
A WSRW identificou três navios que levaram fosfato roubado do Saara Ocidental para o Brasil em 2020 e dois em 2019, com uma carga total de cerca de 166,6 mil toneladas. A informação foi checada pelo Brasil de Fato em janeiro de 2021. Desde então, nenhum outro navio com rocha fosfática do Saara Ocidental desembarcou no país.
Onde mora o problema?
O Saara Ocidental é a última colônia africana, segundo o Comitê Especial de Descolonização das Nações Unidas. A Espanha, metrópole até 1976, abandonou o território sem descolonizá-lo, estabelecendo um acordo tripartite ilegal com Marrocos (vizinho do Norte) e Mauritânia (vizinho do sul), repartindo a área e garantindo um percentual da exportação dos recursos naturais.
Sem pretensões expansionistas, a Mauritânia recuou em seguida e deixou o território a cargo das forças marroquinas. A promessa de um plebiscito mediado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para assegurar a autodeterminação do povo saarauí, nunca foi cumprida.
“O Marrocos ocupa o Saara Ocidental devido a suas grandes riquezas minerais”, afirma Jadiyetu El Mohtar, delegada da Frente Polisário, movimento de libertação saaráui fundado em 1973.
“O Saara é rico em metais diversos, gás natural, ferro, cobre, urânio e telúrio. Também há reservas de petróleo, ainda não exploradas, areia para produção de cimento e para alargamento de praias, além de uma das zonas de pesca mais abundante da África”, enfatiza.
A ocupação do território e a exploração de fosfato saaráui pelo Marrocos violam a Resolução 1514 das Nações Unidas (ONU), segundo a qual os povos podem, para seus próprios fins, dispor de suas riquezas e recursos naturais, com base no princípio do proveito mútuo e do direito internacional.
“Será posto fim a toda ação armada e a todas as medidas de repressão dirigidas contra os povos dependentes, para permitir a estes povos exercerem pacífica e livremente seu direito à independência completa, e a integridade de seu território nacional será respeitada”, diz o texto.
Ou seja, nenhum governo está autorizado a extrair e comercializar os recursos alheios de territórios em processo de descolonização. É o caso do Saara Ocidental e outros 16 territórios considerados "não-autônomos" pela ONU.
Não há nenhum documento, de nenhuma corte ou organização internacional, que permita ao Marrocos explorar os recursos daquela região do planeta, como ocorre até hoje.
A população do Saara Ocidental é estimada em 650 mil pessoas, dividida em quatro grupos. Além dos que vivem no exílio e nos territórios ocupados, cerca de 170 mil saarauís moram em campos de refugiados em outro país vizinho, a Argélia.
As violências cometidas contra saarauís nos territórios ocupados estão descritas em relatórios do Comitê de Direitos Humanos da ONU e envolvem, por exemplo, denúncias de tortura e prisões arbitrárias, além de restrições à liberdade de expressão.
Uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia em 29 de setembro de 2021 confirmou que o direito do povo saarauí ao consentimento é um pré-requisito para a legalidade de qualquer negócio envolvendo seus recursos.
Fertilizantes fosfatados são produtos oriundos da extração, moagem e tratamento de rochas que apresentam concentração significativa de fósforo. A aplicação permite que a planta acesse um volume de nutrientes superior ao que o solo tem capacidade de fornecer, potencializando o rendimento das culturas.
Anualmente, são usadas no planeta em média 53 milhões de toneladas de fertilizantes fosfatados, processados a partir de 270 milhões de toneladas de rochas de fosfato. O Brasil é o quarto maior consumidor mundial de fósforo como fertilizante agrícola.
O Marrocos e o território do Saara Ocidental ocupado ilegalmente abrigam a maior reserva de fósforo do mundo.
Edição: Anelize Moreira