A aprovação pela Câmara dos Deputados, na noite de quarta-feira (13), de um projeto de lei complementar que altera a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - que é estadual - sobre combustíveis não amenizou a temperatura do debate sobre a política de preços adotada pela Petrobras desde 2016 e ampliada durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
A mudança, que ainda precisa passar pelo Senado Federal e pela sanção presidencial, determina que os estados estabeleçam um valor fixo anual a ser cobrado de ICMS por litro de combustível vendido. Também fixa um teto para essa tarifa, que não pode ser maior do que seria a alíquota aplicada sobre a média do preço do combustível nos dois anos anteriores.
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Para o deputado federal Helder Salomão (PT-ES), a medida é um “remendo” que não ataca a raiz do problema: a Política de Paridade Internacional (PPI), praticada pela Petrobras desde 2016 e aprofundada durante o governo Bolsonaro, e que repassa ao consumidor os preços praticados no mercado mundial junto à cotação do dólar.
“Esse é o principal aspecto que precisa ser mudado. Enquanto isso não mudar, nós não teremos nenhuma melhora nos preços dos combustíveis no Brasil”, afirma Salomão, que também contabiliza a baixa produtividade das refinarias do país: “Nós estamos vendendo petróleo bruto barato e comprando derivados do petróleo refinado, caros, do mercado internacional. Então, essa conta não fecha”.
A Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), que representa as Secretarias de Fazenda do estados, estima que os estados deixariam de arrecadar até R$ 24 bilhões, caso a proposta prevaleça. “Em um momento em que já temos sete estados em regime de recuperação fiscal e outros entrando em emergência fiscal, a população será a primeira afetada, porque a arrecadação cobre gastos em áreas como saúde, educação e segurança”, argumenta Rodrigo Spada, presidente da Febrafite.
Sob comando do general Joaquim Silva e Luna desde abril deste ano, a Petrobras vem sofrendo pressão política do governo federal para tentar reter ao máximo os reajustes, reduzindo danos à popularidade do presidente. Essa é a avaliação de Edson Silva, diretor da consultoria ES Petro, que enxerga “uma política confusa e imprevisível”.
“Hoje, nós estamos convivendo com uma defasagem de 8,8% da gasolina com relação aos preços internacionais e de 17,8% do diesel, segundo nossos cálculos”, pondera o consultor que também se baseia em projeções internacionais para chegar a uma conclusão preocupante: “Estamos ameaçados de enfrentar nos próximos meses, além de preços altos, um desabastecimento” , afirma.
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Colchão para amortecer quedas
Também na Câmara dos Deputados, em paralelo à votação das mudanças da cobrança do ICMS convocada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) nesta quarta-feira, uma audiência pública debateu alternativas para enfrentar a crise do setor, como o Projeto de Lei 750/2, de autoria do deputado Nereu Crispim (PSL-RS), que cria o Fundo de Estabilização dos Preços dos Derivados do Petróleo.
A proposta insere dispositivos na Lei do Petróleo e prevê alíquotas progressivas no imposto de exportação conforme o valor do barril, fixando a arrecadação conforme algumas faixas de preço do barril pré-estabelecidas. Dessa maneira, as eventuais necessidades de importação de derivados de petróleo receberiam subvenção do fundo.
O consultor Edson Silva acredita que essa pode ser uma solução interessante para amenizar os impactos das flutuações do mercado. “ Dadas as realidades brasileiras nós precisamos de amortecedores para os impactos desse tipo de política, porque nós não temos controle sobre a commodity e nem sobre o câmbio, que sempre é muito vulnerável no Brasil”, defende.
Embora concordem sobre esse tema, Silva e Helder Salomão têm opiniões opostas sobre quais deveriam ser as prioridades na gestão da Petrobras. Enquanto o consultor não vê problemas na priorização de lucros, inclusive aos acionistas, o deputado petista rejeita a interferência do mercado na regulação dos preços dos combustíveis. “Isso leva ao que está acontecendo aqui: a gente ganha em real e paga o combustível em dólar”, exemplifica Salomão.
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Efeitos colaterais
As características do transporte de cargas brasileiro, que prioriza a modalidade automotiva, também têm relação direta com a crescente inflação. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado na semana passada pelo IBGE, o país registrou 1,16% de inflação em setembro, atingindo a marca de 10,25% em 12 meses – sendo quase 2% desse percentual referente ao combustível.
Portanto, os aumentos dos derivados do petróleo também produzem um efeito cascata que pressiona os preços do transporte público, do frete e de praticamente todos os produtos. A disparada dos preços dos alimentos é acompanhada de insegurança alimentar e do desespero de milhões de famílias de baixa renda.
Se a alta do diesel é um dos vilões da inflação, o preço do etanol disparou esse ano em decorrência da seca e da estiagem, sendo um dos fatores de alta dos combustíveis. Isso porque, atualmente, a gasolina comercializada em todo país é diluída com etanol anidro na capacidade máxima permitida pela lei, que é de 13%.
Para Edson Silva, a decisão de não reduzir esse percentual de diluição obrigatória do etanol é essencialmente política. “Se o governo quiser reduzir e contrariar os interesses dos usineiros, isso pode ser feito sem que a Câmara tenha que votar nada, porque já existe uma decisão sobre esse tema e isso já foi feito em outros momentos”, explica.
Edição: Vinícius Segalla