Celebrado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde antes mesmo de sua eleição, em 2018, o ministro da Economia, Paulo Guedes – na época, anunciado pelo codinome de “Posto Ipiranga”, em uma alegoria que remetia à ideia de quem tem soluções para tudo –, hoje vê sua reputação desidratar no cenário político.
Com a economia brasileira em frangalhos, inflação em alta e desemprego recorde, o guru econômico do chefe do Executivo acumula críticas multilaterais e atualmente tenta salvar a própria pele em meio a uma corrosão na relação com o mundo político.
As dificuldades atualmente enfrentadas por Guedes se acentuaram com a denúncia de que o ministro é sócio de uma offshore localizada nas Ilhas Virgens Britânicas. Publicada no último dia 3 pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (CIJI), a revelação inaugurou mais um escândalo na gestão Bolsonaro e colocou o mandatário na berlinda do Congresso.
Veja também: O que é offshore e como os paraísos fiscais afetam a sua vida
Como resultado, Senado e Câmara aprovaram na última semana requerimentos de convocação para que o ministro preste explicações às duas casas a respeito da suspeita de conflito de interesses.
No caso da Câmara, onde o governo hoje tem mais terreno político se comparado à situação que enfrenta entre os senadores, o pedido foi chancelado pelo plenário por um placar de 310 votos a 142, o que mostra amplo apoio à oitiva por parte de membros da própria base aliada no Planalto. Minoritário entre os deputados, o bloco da oposição reúne um limite de 130 parlamentares.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), tentou negociar uma conversão do pedido de convocação em convite. A prática é corriqueira nas tratativas políticas e tem o objetivo de evitar maiores desgastes para quem está no poder, mas não funcionou.
“O fato de o líder do governo não ter conseguido isso mostra a fragilidade política do ministro dentro da Câmara. Veja bem, foram 310 votos favoráveis à convocação. Ainda que ela fosse uma PEC, que exige quórum qualificado de 308 votos, ela teria sido aprovada. Isso demonstra uma insatisfação de fato da Câmara com o Guedes, e existem algumas razões que justificam isso”, avalia o cientista político Leonel Cupertino.
Ele realça que o mandatário da Economia é visto pelos parlamentares como um “tecnocrata” por conta da priorização excessiva de argumentações fiscais em detrimento de aspectos mais humanos na hora de chancelar ou barrar uma pauta.
O comportamento gera frustração nos parlamentares porque faz com que projetos de lei discutidos – muitas vezes, exaustivamente – e aprovados pelo Congresso vivam um calvário ao chegarem na Presidência da República, onde Bolsonaro embarreira as propostas sob contestadas justificativas fiscais vocalizadas por Guedes.
A conduta resulta no conjunto de vetos sequenciais que têm desgastado a relação entre o chefe do Executivo e o parlamento. "O exemplo recente mais emblemático que nós temos é a questão dos absorventes para mulheres pobres, vetado pelo Bolsonaro sob a alegação do Ministério da Economia de que o projeto não trazia as fontes de receita pra que fosse colocado em prática”, ilustra Cupertino.
Trajetória
Apesar de ter chegado no governo com cacife político diante de Bolsonaro e ter ganho o chamado “superministério” – a Economia passou a abrigar pastas e órgãos antes sob a batuta de outras áreas –, Guedes hoje vem perdendo espaço na cúpula da administração pública federal.
Um dos exemplos mais recentes é a transferência de parte da estrutura burocrática, política e orçamentária da Economia para o recém-recriado Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em julho, que está a cargo de Onyx Lorenzoni.
A mudança surge em meio à insatisfação do mundo político com o desempenho de Guedes. Proclamado desde 2018 como PhD pela Universidade de Chicago (EUA), celeiro de economistas que estimularam reformas liberais em diferentes partes do mundo, o ministro se afogou em estragos causados pela agenda de arrocho fiscal que segue impondo ao país.
Sob um discurso de necessidade de saneamento das contas da União, o mandatário conseguiu aprovar uma série de medidas impopulares que custaram caro à imagem do governo. As iniciativas vieram acompanhadas de promessas de geração de emprego e melhora econômica. A agenda, no entanto, fracassou.
“Os deputados votaram a reforma da Previdência, a chamada PEC emergencial (PEC 186), a privatização dos Correios, e o que o Congresso Nacional recebeu em troca da gestão Paulo Guedes? Gasolina a R$ 7 e gás de cozinha a R$ 100, pra citar dois exemplos. É evidente que esses valores incomodam e muito os parlamentares”, observa Leonel Cupertino, ao destacar o peso atual da inflação sobre os trabalhadores.
VEJA TAMBÉM:
Nesta quarta (13), durante entrevista à rádio CNN, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao tentar blindar o governo e despistar as críticas ao ministro, afirmou que a convocação de Guedes não significa exatamente que ele esteja isolado ou que tenha perdido força na gestão.
Nos bastidores do mundo político, no entanto, a leitura é de que a desidratação do mandatário enfrenta, aos poucos, uma piora, o que poderia pavimentar o caminho para uma eventual troca de comando na Economia. As especulações cresceram diante do escândalo em torno da offshore.
“Acho ‘isolamento’ exatamente uma palavra muito forte pra definir a situação dele hoje, mas que ele está enfraquecido politicamente isso está claro. Não há dúvida. É difícil saber o que virá pela frente, mas, se as explicações que o Guedes der aos parlamentares não forem a contento, a pressão pela substituição dele tende a subir muito”, projeta Cupertino.
Edição: Vinícius Segalla