O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid será apresentado na próxima terça-feira (19). Espera-se que nomes de militares envolvidos em supostos esquemas de corrupção travados durante a aquisição de vacinas contra a covid-19 estejam entre os indicados para indiciamentos e processos judiciais.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), que participou ativamente das sessões da CPI, afirmou que “mais do que constrangimento" a militares e figuras do Centrão, que também aparecem nos supostos esquemas, o trabalho da comissão poderá fazer com que essas pessoas sejam “investigadas pelo Ministério Público, denunciadas junto ao Poder Judiciário, e que respondam por crime de responsabilidade administrativa, no caso de servidores públicos, e outros ilícitos na esfera cível”.
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Nas palavras da emedebista, é “lamentável” que a CPI tenha esbarrado em nomes de militares durante as investigações “diante do respeito e da credibilidade que tem as Forças Armadas brasileiras”, diz. “O que nos entristece é que, aliado ao núcleo político, nós tivemos o núcleo militar também participando desse processo.”
Tebet ainda afirmou que o fato de o ex-chefe da Casa Civil, o general Braga Netto, não ter sentado no banco da comissão não significa “que ele não possa ser indiciado pelo relator a depender das provas que existam”. O atual ministro da Defesa, Braga Netto, é considerado uma das pessoas mais influentes dentro do Ministério da Saúde.
Confira a entrevista na íntegra:
Dois dos caminhos que podem ser trilhados a partir do relatório são na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Câmara dos Deputados. Ambos os ambientes já demonstraram em diversas vezes um recuo em relação a um possível impeachment, mesmo com as descobertas promovidas pela CPI. Como avalia esse cenário?
Não acredito que o crime de responsabilidade, que vai constar no relatório que enseja processo de impeachment e que vai ser entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, siga em andamento. Fosse assim, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, já tinha aberto o processo de impeachment em relação às outras dezenas de denúncias.
Mas isso não por qualquer falta de força de argumento do relatório, mas porque não há processo de impeachment sem povo na rua, sem pressão popular. Enquanto não houver pressão popular, dentro da Câmara dos Deputados não se abre processo de impeachment contra o presidente da República.
Em relação à PGR [Procuradoria-Geral da República], aí sim, nós estamos diante de uma gravidade é ímpar. O procurador-geral da República é o representante do órgão máximo de fiscalização. É o órgão constitucional com maior poder de investigar, apurar, denunciar e, obviamente, ser parte em um processo judicial de crime de corrupção e de omissão na área penal contra as autoridades públicas federais. Mas eu acredito piamente que vai haver uma pressão da base sobre o PGR.
Ele é o ápice de uma pirâmide cuja base é composta de milhares de promotores de Justiça que, insatisfeitos, tendem a pressionar. Nesse aspecto, acredito que alguma coisa possa sim ter andamento. Vamos lembrar que são inúmeros os denunciados indicados no relatório. Alguns irão para a justiça comum, outros para a Justiça Federal e alguns poucos por foro privilegiado precisam assim passar pela mão do procurador-geral da República.
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Apesar disso, a CPI já provocou algumas mudanças concretas no curso da política brasileira, principalmente em relação à pandemia. Quais são esses resultados concretos da CPI e como a senhora os avalia?
A CPI já provocou muitas mudanças concretas no que se refere à condução do governo federal em relação à pandemia. Eu apontaria três pontos principais. Primeiro não vamos esquecer que quando o Brasil começou a vacinar, não tinha nem 13% de vacinados. Se continuasse naquela toada, levaria um ano e meio para atingir 80%. Nós já estamos atingindo agora 70% de imunizados com a primeira dose, porque assim que a CPI foi instalada o governo mudou drasticamente sua conduta em relação à compra de vacinas.
Um outro ponto que eu reputo extremamente importante: a CPI combateu de forma decisiva e fundamental o negacionismo do governo federal, que queria implantar, através de fake news financiados de forma ilegítima nas redes sociais, a tese da imunidade de rebanho por contaminação, ou seja, “vamos todos pegar afinal é uma gripezinha e com isso voltar ao mercado”. Um terceiro ponto é que a CPI freou as tentativas de superfaturamento na compra de vacinas, inclusive com a paralisação do pagamento do contrato da Covaxin.
A CPI apontou para um esquema de influência dentro do Ministério da Saúde levando tanto a nomes de militares quanto de pessoas próximas do Centrão do Congresso Nacional. A senhora acredita que a CPI terá algum resultado concreto sobre esse esquema, mesmo que um constrangimento sobre essas figuras?
A CPI mostrou que houve uma tentativa de compra de vacinas superfaturadas, como no caso da vacina envolvendo supostamente envolvendo o líder do governo na Câmara [Ricardo Barros (PP-PR)], além do contrato com o laboratório CanSino, que seria no valor de R$ 6 bilhões.
Nos entristece é que, aliado ao núcleo político, nós tivemos o núcleo militar também participando desse processo, o que é lamentável diante do respeito e da credibilidade que tem as Forças Armadas brasileiras.
E mais do que constrangimento essas pessoas passam a ser indiciadas. Portanto, poderão ser investigadas pelo Ministério Público, denunciadas junto ao Poder Judiciário, responderem por crime de responsabilidade administrativa, no caso de servidores públicos, e outros ilícitos na esfera cível.
Quais serão as providências sugeridas para as empresas particulares envolvidas nos supostos esquemas de corrupção e outras ilegalidades, como Precisa Medicamentos, FIB Bank, Davati Medical Supply, Belcher Pharmaceuticals, Prevent Senior?
Esta é uma questão delicada em relação às providências quanto a essas empresas. Óbvio que elas vão ser denunciadas. Óbvio que o Ministério Público pode, com base em todos os argumentos apresentados e sugestões do relator, pedir a suspensão da idoneidade dessas empresas, para fins de participação de processo de licitação com o governo federal. Essas empresas serão responsabilizadas e responderão civilmente também, com o patrimônio dessas empresas podendo serem inclusive bloqueados.
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No caso específico da Prevent Senior, temos a abertura de CPI no estado de São Paulo. Portanto, dali também nós teremos um aprofundamento da investigação, que poderá trazer novos elementos que poderão corroborar com o processo contra a empresa.
Em diversos momentos, a presença das senadores se mostrou providencial, como quando a senhora arrancou o nome de Ricardo Barros durante o depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF). Como as senadoras saem da sala da CPI para o plenário do Senado?
Antes de mais nada, há todos os episódios lamentáveis que ocorreram com as senadoras na CPI. A começar pela falta de indicação por parte dos líderes de pelo menos uma senadora para participar do colegiado.
Agora, a presença das senadoras vai permitir que a gente possa aperfeiçoar a legislação. Há um projeto de resolução da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) que nós queremos votar neste ano, que não precisa de sanção do presidente nem passar pela Câmara dos Deputados, que estabelece que, quando os líderes não indicarem pelo menos uma mulher nas comissões permanentes ou temporárias, abre-se uma vaga imediatamente para que uma mulher possa preenchê-la.
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Mas acho que o mais importante é que deu luz a uma triste realidade. As pessoas ainda se recusam a acreditar que a mulher sofre misoginia, que a mulher que ousa sair para o mercado de trabalho, vai para um ambiente público, não só na política mas no dia a dia, ela recebe toda sorte de discriminação. E estar ali ao vivo com a população brasileira, presenciando os lamentáveis episódios, porque não foi apenas um, foram vários que ocorreram ali em relação às mulheres, expôs a realidade machista do mundo da política.
Acredito que nós temos que fazer desse episódio algo pedagógico. A população hoje começa a reconhecer que há muito ainda o que avançar em termos de igualdade entre homens e mulheres.
A senhora apontaria algum erro cometido pela CPI?
Não consigo me lembrar de nenhum erro grosseiro, estratégico e relevante no percurso da CPI. É óbvio que não foi perfeita, é óbvio que a CPI, por ser um órgão colegiado onde prevalece a vontade da maioria, não pode avançar em tudo.
No caso do Braga Netto, havia realmente resistência. Não tinha maioria para levá-lo, o que não significa que ele não possa ser indiciado pelo relator a depender das provas dos documentos que existem. No aspecto macro, a CPI foi a mãe de todas as CPIs e mostrou claramente que CPI no Brasil é um instrumento sério que pode ser levado a sério quando se trata o assunto com a relevância devida. A CPI, sem dúvida nenhuma, foi a mais importante da história do Brasil.
Até porque não se tratava de fatos passados, mas de fatos continuados de um presidente em exercício que contínua a insistir no erro da omissão dolosa, que não agiu diante das denúncias de suspeitas de corrupção. A CPI também tinha que lidar cada dia com fatos novos, tendo um prazo para ser encerrada, e com um poder limitado no que se refere à investigação. Por isso, acredito que ela surpreendeu a todos.
Integrantes da CPI, como a senhora e o senador Alessandro Vieira já se mostraram como possíveis candidatos para as eleições de 2022. Como será o posicionamento da senhora em relação aos outros candidatos?
Não me coloquei como pré-candidata em 2022. Nós estamos conversando com o partido, que me fez esse convite. Já não é de agora que eu tenho conversado com algumas lideranças e, diferentemente da eleição passada, onde a candidatura do MDB veio mais da cúpula, nesse momento quem está pedindo uma pré-candidatura do MDB é a própria militância do partido. São mais 15 ou 20 dias para decidir.
De qualquer forma, o meu projeto político é tirar o presidente Bolsonaro no segundo turno. Estarei junto com a terceira via ou como pré-candidata ou apoiando alguém que tenha capacidade de condições de tirar o presidente Bolsonaro. Eu acredito que todos os pré-candidatos terão que ter certo altruísmo de reconhecer que não dá para colocar mais de dois candidatos como terceira via, sob pena de voltarmos à polarização do ex-presidente Lula com o presidente Bolsonaro no segundo turno.
Qual foi a importância das investigações empreendidas por veículos de jornalismo profissional durante a comissão? Em diversos momentos a senhora citou dados levantados por reportagens.
Política e jornalismo sempre andaram de mãos dadas, pelo menos numa democracia, principalmente em momentos delicados e difíceis, e ninguém discute que nós estamos vivendo os momentos mais difíceis da nossa história. Obviamente isso faz com que mais do que nunca política e jornalismo caminhem juntos.
Não foram poucas as vezes que eu passei informações para a imprensa, para que a imprensa pudesse não só divulgar em primeira mão, mas também para que pudesse fazer o processo investigativo, e vice-versa.
Aos olhos da opinião pública, aos olhos da sociedade brasileira, com essa CPI é importante reconhecer que as redes sociais são um veículo de contato que nós temos com a população. A população se manifesta através de redes sociais. Especialmente numa epidemia em que nós estamos dentro de casa, nós precisamos saber o que pensa a população brasileira. Esse é um bom termômetro e um bom canal de comunicação, mas mesmo as redes sociais passaram a reconhecer que nada substitui o jornalismo sério e investigativo.
Essa dobradinha tendo o mesmo objetivo comum entre política e jornalismo na busca da verdade e de soluções, foi uma boa dobradinha.
Edição: Vinícius Segalla