Passados mais de cinco meses dos leilões de privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, a Cedae, o governo do estado e muitas das prefeituras que receberam cheques pela venda ainda não esclareceram como serão investidos os recursos provenientes da outorga, que somam R$ 22,6 bilhões.
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Em junho, em atos que foram interpretados pela oposição e por movimentos populares e sociais como eleitoreiros, o governador Cláudio Castro (PL) distribuiu os cheques a prefeitos de municípios da Baixada Fluminense e do estado. O estado ficará com R$ 14,4 bilhões e 29 municípios receberão até 2025 aproximadamente R$ 7,6 bilhões.
“Cada prefeito e estado gastam como quiserem. Não há destinação prevista, é um dinheiro livre”, disse Castro, durante o evento em que foi detalhado o valor a ser recebido por cada município.
Os valores foram calculados de acordo com o percentual de população atendida pela Cedae. O município de São Gonçalo recebeu R$ 588 milhões dos mais de R$ 904 milhões a que terá direito. Duque de Caxias tem direito a R$ 605 milhões, Nova Iguaçu receberá R$ 538 milhões até o final do período de pagamento.
De acordo com o leilão, a Cedae continuará cuidando da produção das águas. Caberá às concessionárias fazer a distribuição. A empresa Águas do Rio, que passa a administrar a distribuição de água para 27 cidades a partir de novembro, não tem a obrigação de realizar o serviço em áreas não urbanizadas e sem pavimentação, por exemplo.
Reivindicação
Na semana passada, lideranças de movimentos populares da Baixada Fluminense lançaram uma carta pública aos prefeitos e aos legislativos locais pedindo a apresentação de planos de investimentos. Na live de lançamento do documento, Lennon Medeiros, da Casa Fluminense, disse que essa cláusula prejudica municípios e bairros mais pobres, como se previa antes da privatização.
"Se não tem asfalto na rua, pode não ter água. A outra pegadinha é que se a concessionária só entrega a água, mas não produz, ela não se responsabiliza por essa água. Quando tivermos processos, como aquele traumático da geosmina, ou de falta d'água, será que a distribuidora vai interromper a água da zona sul do Rio, que é área nobre, ou dos bairros pobres da Baixada", questionou Lennon Medeiros.
"A Águas do Rio está trabalhando de acordo com a agenda de pavimentação das ruas. Então, precisamos entender como as prefeituras vão aplicar os recursos que vieram. Se estamos falando de um dinheiro que vem de empresa de água, é preciso pensar pautas não populares como essa de infraestrutura para saneamento e acesso à água", justificou o representante da Casa Fluminense.
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Em entrevista ao Brasil de Fato, Caroline Rodrigues, assistente social e educadora popular da ONG Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e integrante da campanha "Água boa para todas e todos", que tentou evitar a privatização da Cedae, disse que a transparência do uso dos recursos com a venda da estatal é fundamental.
Para Caroline, agora o governador Cláudio Castro "está super feliz" por ter recebido os R$ 22,6 bilhões, mas o ágio (o governo estadual esperava arrecadar R$ 10,6 bilhões na venda da Cedae e levou 113% a mais) será cobrado no longo prazo pelas empresas Aegea e Iguá, que venceram o leilão, à população.
"Quando essas operadoras ganham o leilão fazendo a maior oferta, elas atendem aos interesses políticos do momento. No longo prazo, porém, elas precisam encontrar formas de reverter esse dinheiro que investiram. Por isso, as tarifas sobem, como aconteceu em outros lugares onde houve privatização", disse Caroline, pouco antes da Cedae anunciar aumento de 9,8% da tarifa a partir de novembro.
Infraestrutura
Um dos pontos abordados na carta pública ao governador e aos prefeitos e poderes legislativos locais é que atualmente nem todas as regiões cobram pelo tratamento, mas apenas pelo abastecimento, justamente porque em vários dos municípios da Baixada não há tratamento. Daí, a necessidade de infraestrutura para que a população não pague pelo problema.
"É possível que as contas dobrem de valor quando as empresas decidirem cobrar pelo tratamento e pelo abastecimento. A sociedade civil se organiza para denunciar o risco que é esse montante de recursos nos cofres públicos sem regulação. Não queremos o uso deles em obras eleitoreiras, queremos transparência social e clareza nos investimentos", afirma a representante da Fase.
No início de agosto, a deputada estadual Renata Souza (Psol) anunciou que abriu requerimento para que o planejamento da distribuição e uso dos recursos seja detalhado por Cláudio Castro. Os mandatos dos deputados Waldeck Carneiro (PT), Rosângela Zeidan (PT) e Flávio Serafini (Psol) se juntaram aos movimentos populares para realizar audiências públicas e pressionar o governo a cumprir as reivindicações.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Jaqueline Deister