Desde 2000, o Brasil enviou 82 militares para treinamentos no Instituto de Cooperação em Segurança do Hemisfério Ocidental (Whinsec), a antiga Escola das Américas, com sede em Fort Benning, na Georgia, EUA. Desse total, 50% (41) no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), sendo 21% (17) apenas nos nove primeiros meses de 2021.
A Whinsec é um instituto ligado ao Departamento de Defesa dos EUA. Na escola, foram treinados sete ex-militares da Colômbia acusados de assassinar, em 7 de julho deste ano, o presidente do Haiti, Jovenel Moïse. A informação foi confirmada pelo governo estadunidense.
“Até agora, identificamos sete indivíduos que eram ex-militares do Exército colombiano que receberam algum tipo de instrução e treinamento fornecido e financiado pelos EUA”, informou John Kirby, porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA, no dia 23 de julho.
Levantamento feito pelo Brasil de Fato, usando dados fornecidos pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, via Lei de Acesso à Informação, mostram que o governo brasileiro tem enviado, preferencialmente, oficiais de patente baixa. São 52 segundo sargentos, 9 primeiro sargentos, 6 tenente-coronéis, 6 majores, 4 coronéis e 1 sub tenente.
Entre os governos, Bolsonaro, com 41, lidera. Seguido por Dilma Rousseff (PT), que enviou 21 militares para treinamento na Whisec, Michel Temer (MDB), 12, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 8. Entre as forças, O Exército enviou 79 membros, a Aeronáutica, 3, e a Marinha não enviou oficiais.
A cientista política Luciana Wietchikoski considera que o aumento no número de militares enviados à Whisec em 2021, pode encontrar justificativa nos anseios de Bolsonaro por um golpe no Brasil, discurso ensaiado algumas vezes durante o ano.
“Até pelo histórico dessa organização, que sempre está envolvida com questões políticas da América Latina. Mas dentro de outro contexto, não específico a esse momento, mas de uma formação mais ampla, que não vai ter uma consequência só no golpe, mas nos próximos anos no Brasil”, explica Wietchikoski, que é pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Estudos Estratégicos e Política Internacional Contemporânea (GEPPIC), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“São militares formados nessas organizações e que trazem uma doutrina muito próxima da ideologia que o Bolsonaro reproduz. Isso fica ao longo do tempo, não é uma questão temporária conjuntural, mas sim que a gente tem uma consequência para o para o futuro do Brasil a médio e longo prazo”, finaliza a pesquisadora.
O alinhamento de Bolsonaro com a política americana também é destacado por Wietchikoski, que vê benefícios para os americanos, nesse intercâmbio.
“Os EUA estão intensificando a sua presença na região em termos de defesa, principalmente em relação à questão de uma contenção da China, ou seja, de conter a expansão chinesa na região, que é colocada pelos Estados Unidos como a principal ameaça na América Latina.”
Histórico
Fundado em 1946, com a denominação Centro de Adestramento Latinoamericano – Divisão Terra, o instituto foi mais conhecido pelo nome que recebeu em 1963, Escola das Américas. Somente em 2001, foi batizado como Whisec.
No princípio, o instituto tinha o objetivo de produzir um alinhamento político e ideológico das Forças Armadas dos países da América Latina com os EUA, para que fosse possível uma ampla influência estadunidense na região.
Após a Revolução Cubana, em 1959, o instituto se voltou para o treinamento de militares para combater a ascensão comunista nas Américas. Foi quando surgiu a Escola das Américas, que recebeu oficiais de diversos países, que depois atuaram em golpes militares.
Mais de 300 militares brasileiros passaram pela Escola das Américas, entre 1954 e 1996, de acordo com a Comissão Nacional da Verdade. No instituto, os oficiais recebiam aulas práticas e teóricas sobre tortura, técnicas de interrogatório, comunismo, guerrilha urbana e rural, além de manuseio de armamento.
Edição: Leandro Melito