Corre em terceira instância a sentença dos sete estudantes condenados por liderarem a ocupação da reitoria da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar no ano de 2018.
Na época, cerca de 50 estudantes ocuparam pacificamente o local por dois dias sob a reivindicação de diálogo para a diminuição do preço das refeições do Restaurante Universitário. O valor havia subido, de uma só vez, de R$1,80 para R$4,00, ou seja, um reajuste de aproximadamente 122%.
Após reintegração de posse e responsabilização judicial dos estudantes, eles foram condenados em primeira e em segunda instância a pagarem o valor total de R$50 mil, o qual está em constante correção monetária desde o dia da ocupação. A defesa recorreu e o processo segue em andamento.
::Artigo | Universidade para poucos: o ministro da Educação e o preconceito de classe::
A advogada Bibiana Barreto Silveira, que assumiu a defesa dos estudantes, aponta o direito constitucional à livre manifestação, sobretudo por se tratar de uma ocupação pacífica que não impediu o ir e vir de ninguém dentro da Universidade:
“Nosso próximo passo vai ser recorrer para a terceira instância, que vai ser nossa última instância de recurso e através de uma fundamentação, pautada em direito constitucional, direito à livre manifestação, vamos tentar reverter essa sentença, diminuir esse valor de condenação por danos materiais e tentar reverter a questão de proibição de qualquer manifestação dentro da Universidade, pois as manifestações são pacíficas, são legítimas e não impedem o direito e a liberdade de ir e vir dos servidores, alunos ou qualquer pessoa que circule dentro da Universidade”.
Para além disso, Bibiana declarou que a condenação abarca também futuras mobilizações. “Essa decisão também coloca que não pode existir nenhum tipo de ocupação dentro da Universidade Federal de São Carlos, nem mesmo nos portões de acesso ou qualquer outra prática do tipo sob pena de multa diária no valor de R$25 mil reais para cada réu”.
O caso repercutiu amplamente na comunidade acadêmica e intelectual do Brasil, recebendo diversos depoimentos de apoio de entidades estudantis e discentes pelo país a fora.
“Caso, em terceira instância a gente também não tenha uma sentença favorável aí se inicia a fase de cumprimento de sentença, que seria a fase para pagamento dessas verbas”, afirma a advogada.
Lançamento da campanha de arrecadação financeira
A fim de auxiliar na arrecadação financeira para o pagamento da indenização, nesta sexta-feira (22) os estudantes lançaram uma campanha de financiamento coletivo, juntamente com um abaixo assinado e uma nota para dialogar sobre o caso com a população.
A nota é assinada pelo Diretório Central dos Estudantes da UFSCar, pela Associação de Pós Graduandos, pela Associação dos Docentes e o Sindicato dos Técnico-Administrativos da Universidade, e afirma:
"Mesmo com intelectuais e acadêmicos, ex-reitores e a própria comunidade universitária se manifestando em defesa dos sete estudantes, o processo segue representando não apenas prejuízos a sete famílias, mas também a todas as instituições de ensino do país, uma vez que abre um precedente jurídico para criminalizar as lutas em defesa da democratização da educação. A justa luta pelo direito de se alimentar não deveria ser criminalizada”.
Para Eduardo Rezende Pereira, um dos acusados e hoje mestrando em Ciências Políticas na Unicamp, “a vaquinha é um meio de contribuir com nossa luta, além da assinatura do manifesto, que estamos recolhendo virtualmente”.
“Esse processo arbitrário contra estudantes que lutavam em defesa da permanência estudantil, a condenação em primeira e segunda instância, o valor absurdo como penalidade, num momento de piora do cenário econômico, que impacta as famílias, são parte do cenário da profunda derrota que vivemos, que exige de nós esperança e solidariedade. O autoritarismo desse processo não está desalinhado do atual contexto nacional".
Relembre o caso da ocupação
No dia 11 de maio de 2018 a Polícia Federal entrou no Campus da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, no interior de São Paulo, para realizar uma reintegração de posse do prédio da reitoria, juntamente com oficiais de justiça.
A Reitoria da Universidade justificou a não abertura de diálogo afirmando em comunicado à comunidade acadêmica que “na pauta de reivindicações entregue pelos manifestantes de São Carlos não consta assinatura de entidade alguma. A pauta não menciona sua aprovação em assembleia de categoria, não indica nomes de manifestantes, apoiadores ou líderes”.
Não havendo diálogo, o então pró-reitor de Administração registrou um boletim de ocorrência e a reintegração de posse foi realizada.
No entanto, mesmo com a afirmação de não haver líderes, o mandado judicial foi emitido com o nome de sete estudantes, acusados de estarem à frente do movimento. Segundo Eduardo Rezende "alguns deles sequer estavam no local no momento da reintegração de posse".
Em 29 de abril de 2019 o caso foi sentenciado em segunda instância, condenando os sete estudantes a pagarem o valor total de R$50 mil reais de indenização por danos materiais, mais especificamente sob a justificativa de ter sido este o valor gasto com a folha de pagamento dos funcionários que não puderam trabalhar durante a ocupação.
A advogada dos estudantes, Bibiana Barreto Silveira afirma, no entanto, que nenhum servidor foi impedido de entrar no prédio da reitoria durante os dois dias da ocupação, mas que este fato não foi levado em consideração pelo juiz que julgou o caso.
Na época, a Reitoria voltou atrás na decisão sobre o valor das refeições do Restaurante Universitário, demonstrando ser um equívoco o alto reajuste.
Além disso, houve votação favorável no Conselho Universitário, o órgão máximo de deliberação da instituição, pela retirada do processo por parte da Universidade, o que não foi realizado, representando, segundo a nota das entidades representativas, "um desrespeito ao conjunto da comunidade universitária".
Edição: Vinícius Segalla