O problema sobre a posição anti-vacina está em todos os países, mas nos EUA ela ganha exposição quando se manifesta no mundo dos esportes.
Para atletas da NBA, a recusa em tomar a vacina no braço pode doer no bolso. A Associação Nacional de Basquete do país definiu punir financeiramente jogadores que forem impedidos de participar de jogos válidos por não estarem imunizados, já que entram em conflito com regras sanitárias de cidades como Nova York e São Francisco.
O mais notório e recentemente afetado pela decisão pode ser o armador do Brooklyn Nets, Kyrie Irving. Caso insista em não tomar a vacina e as regras municipais sigam em vigor, o jogador deve ser excluído de 41 partidas da temporada que começou esta semana (19), sofrendo prejuízo total de 15,6 milhões de dólares (cerca de 88 milhões de reais). "Estou fazendo o que acho melhor para mim", justificou Irving, sem detalhar a razão de sua decisão.
Já LeBron James, atual ala do Los Angeles Lakers, veio a público recentemente confirmar ter tomado a vacina depois de meses de incertezas e declarações vagas. "Sei que fui cético no começo, mas, depois de fazer as minhas próprias pesquisas, vi que a vacina seria o melhor para mim e para minha família", afirmou o atleta num mea culpa público.
Apesar de imunizado, James não se sente confortável no papel de "garoto-propaganda" das vacinas, e diz que respeita a decisão individual de cada um – num claro aceno à atitude de Irving.
"O esporte é um microcosmo de uma grande sociedade, então o que vemos acontecer entre os jogadores acontece também entre a população em geral", disse ao Brasil de Fato o psicólogo esportivo, Dr. Jarrod Spencer. De acordo com o World In Data, até 19 de outubro, 54% da população estadunidense havia sido completamente vacinada (comparada a 50% do Brasil, de acordo com a mesma fonte).
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Os atletas apresentam, no entanto, uma diferença importante em relação à população em geral. "Alguns desses esportistas estão preocupados sobre como o imunizante pode afetar seu desempenho, o que é um ponto válido, já que é natural que eles tenham suas resistências", diz à reportagem o Professor Dr. Richard J. Simpson, que leciona ciência nutricional na Universidade do Arizona.
Uma equipe da Universidade realizou um estudo liderado pela brasileira Dra. Helena Angelica Batatinha, pesquisadora visitante, que analisou os efeitos de imunizantes em adultos. "Não investigamos como a vacina afeta o desempenho de atletas, mas como ela pode impactar no metabolismo de adultos saudáveis quando praticam exercício", afirma.
O teste incluiu mulheres e homens adultos que receberam a segunda dose da vacina duas semanas antes da avaliação.
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O Dr. Simpson afirma que de fato houve um ligeiro aumento na frequência cardíaca, no consumo de oxigênio e no nível de hormônio relacionado ao estresse nas análises feitas, mas complementa: "é importante ressaltar que esse aumento é muito pequeno e que eu não acredito que exista evidência científica que comprove que as vacinas possam prejudicar o desempenho dos atletas".
E se o motivo principal para a recusa pelo imunizante seja o desempenho em quadras e campos, o Dr. Simpson argumenta que mesmo nesse caso o melhor caminho é justamente a vacinação. "Quando um atleta é infectado, ele tem que ficar isolado e é obrigado a ficar de fora da competição – e aí seu desempenho é nulo. A vacina pode evitar o contágio."
Enquanto a ciência não comprova qualquer impacto determinante da vacina no desempenho profissional, Spencer, o psicólogo esportivo, aponta que a decisão de tomar ou não o imunizante traz consequências à carreira de um atleta. "Essa escolha pode afetar a imagem pública do esportista, mas vale lembrar que essa moeda tem dois lados, e o agente do profissional pode explorar sua decisão seja lá qual for a sua palavra final sobre a vacina", conta.
Para além de preocupações esportivas ou uma recusa negacionista, outra razão para a recusa de atletas pode ser o legado histórico da discriminação racial nos EUA.
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Um dos episódios mais trágicos dessa história foram os experimentos de Tuskegee, conduzidos entre 1932 e 1972, quando homens negros com sífilis foram tratados de forma enganosa com placebos em vez de remédio efetivo, no caso a penicilina, pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA.
Uma pesquisa conduzida pela Associação por uma Nova York Melhor descobriu que entre os brancos, 78% tomariam a vacina de forma imediata; entre os negros, esse número era de 39%.
Ainda de acordo com o COVID Racial Data Tracker, os negros estadunidenses morreram em taxas mais altas de covid-19 do que qualquer outro grupo racial, e correspondem por cerca de 15% de todas as mortes causadas pelo vírus.
"Eu ouvi esse argumento e concordo que, historicamente, é uma defasagem da ciência em geral", comenta a Dra. Angelica. Ela afirma que no caso de ciência em seres humanos, a maioria dos testados de forma apropriada são homens brancos. "São poucos os testes feitos em mulheres, negros, índios, asiáticos e outras populações minoritárias", conclui.
Ainda assim, a coordenadora da pesquisa em Arizona afirma que teste das vacinas contra a covid “foram feitos em todas as populações".
Uma jogada pela saúde
A partir de dados científicos, diversos estados e municípios estão adotando medidas para tornar a vacinação obrigatória em certos ambientes e configurações.
No caso do esporte, árbitros, torcidas e equipes de apoio já têm a responsabilidade de apresentar o comprovante da vacina. No entanto, para estender essa obrigatoriedade a atletas é preciso negociar com o sindicato de cada modalidade.
Enquanto não se chega a um consenso sobre como proceder no campo dos esportes, a Dra. Angelica recorre à ciência para que ninguém dê bola fora – dentro ou fora da arena.
"A vacinação é importante porque a covid é muito mais séria do que qualquer reação de vacinas. Além disso, ainda não sabemos o efeito do vírus no corpo a longo prazo". E finaliza: "é preciso pensar ainda em sociedade: quanto mais pessoas vacinadas, mais protegemos a nós e a quem está ao nosso redor".
Edição: Arturo Hartmann