A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), recebeu na última segunda-feira (25) uma denúncia sobre violações ocorridas durante a pandemia no Brasil, provocadas pelas ações e omissões do governo federal no enfrentamento à covid-19.
A manifestação foi apresentada durante audiência aberta à sociedade civil. A atividade fez parte do 181° Período de Sessões da CIDH, que teve o objetivo de receber informações sobre a situação de direitos humanos nos países das Américas.
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De acordo com o conselheiro da CIDH Joel Hernandez, que é o relator para o Brasil na comissão, a pandemia é a principal causa de violações de direitos humanos.
"A pandemia segue sendo o centro da nossa preocupação, a causa da violação de direitos humanos no país, sobretudo direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais", declarou após ouvir relatos de entidades brasileiras.
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No mês passado, uma prévia dessa denúncia já havia sido apresentada durante atividade no 48º período de sessões do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), realizado em Genebra, na Suíça.
O médico infectologista Flávio Valente, pesquisador da Articulação Nacional para o Monitoramento dos Direitos Humanos (AMDH), apresentou as principais conclusões do documento-denúncia contra o governo brasileiro por violação de direitos humanos durante a pandemia aos integrantes da CIDH. O relatório, elaborado a partir de uma demanda do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), tomou como referência os normativos internacionais dos quais o Brasil é signatário e os mecanismos disponíveis no sistema global e regional de direitos humanos.
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"Fizemos um estudo sobre a situação da pandemia do covid-19, que resultaram numa mortalidade no Brasil 4 a 5 vezes maior que a média mundial. Fomos estudar e vimos que isso foi causado pelas omissões e comissões do governo brasileiro", afirmou Valente. Segundo o pesquisador, houve uma atuação pessoal e institucional do presidente da República, Jair Bolsonaro, com o objetivo de minimizar a gravidade da pandemia e sabotar as principais medidas sanitárias para conter a disseminação doença, que já matou mais de 605 mil pessoas.
"O governo brasileiro tinha condições de tomar uma postura de governança antecipatória, porque tinhas as informações na mão, mas o presidente deixou de exercer a governança antecipatória e desenvolveu uma verdadeira campanha de desinformação, descaracterizando como uma gripezinha e uso da máscara como coisa de covardes e, pejorativamente, como coisa de maricas", acrescentou.
Como resultado direto desse comportamento, além do atraso na compra de vacinas, o presidente desencorajou a adoção de medidas preventivas pela população. Flávio Valente exemplificou essa postura a partir de uma pesquisa que mostrou que cidades que tiveram mais de 51% dos votos para Bolsonaro, nas eleições de 2018, registraram números de casos 299% maior e até 415% mais mortes um ano depois do início da pandemia. Os dados fazem parte de um estudo realizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e pela Universidade de Toronto, apresentado em abril.
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Representante do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), Paulo Carbonari cobrou uma ação mais contundente das instituições nacionais e internacionais diante da forma o próprio presidente brasileiro tem inviabilizado o combate à pandemia.
"Essa semana mesmo, uma das manifestações do presidente foi interrompida pelas redes sociais. Se as redes sociais já estão interrompendo o presidente por suas manifestações inadequadas ou ilegais, violadoras de direitos humanos, quando veremos as instituições nacionais e internacionais oferecendo sanções efetivas a esse tipo de comportamento?", questionou. Carbonari também solicitou que a Comissão avaliasse a possibilidade de realizar visitas in loco no Brasil para constatar de perto a extensão das violações do direito humano à saúde no contexto da pandemia.
De acordo com a presidente da CIDH, Antonia Urrejola, a audiência com entidades da sociedade civil serve como espaço de escuta e vai orientar o trabalho de monitoramento da entidade..
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"Nesse espaço não nos referimos de nenhum tema específico, mas tenham a certeza que tomamos nota para poder, a partir deles, seguir fazendo nosso trabalho de monitoramento", afirmou Urrejola.
Além de recebimento e análise de casos, a CIDH pode organizar visitas in loco para verificar casos concretos e fazer recomendações diretas aos governos dos países, incluindo requerimentos para adoção de medidas específicas.
Edição: Vivian Virissimo