O Senado italiano rejeitou uma ampla lei contra a homofobia nesta quarta-feira (27/10). O texto propunha que a homofobia fosse tratada como um crime de ódio similar ao racismo, prevendo penas para atos de discriminação e incitação à violência contra pessoas LGBTQ.
No Senado italiano, 154 legisladores votaram contra a lei, e 131 foram a favor. O projeto havia sido aprovado pela câmara baixa do Parlamento italiano em 2020.
A chamada Lei Zan, batizada em homenagem ao deputado Alessandro Zan, do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, desencadeou um debate acalorado na Itália. Abertamente gay, Zan é um dos maiores defensores da lei.
Os maiores opositores da proposta foram os partidos Liga Norte, ultradireitista, e Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia), nacionalista de direita, assim como o Vaticano.
Os dois partidos de direita que se opuseram à lei forçaram uma votação no Senado, depois que críticos e deputados favoráveis à lei não conseguiram chegar a um consenso naquela altura.
"Desgraça para a Itália"
Após a rejeição da proposta nesta quarta, o deputado Alessandro Zan afirmou que "o Senado decidiu se manter distante das exigências reais" do país.
O líder do partido Movimento 5 Estrelas, o ex-primeiro-ministro Giuseppe Conte, declarou que claramente alguns membros do Parlamento não progrediram tanto quanto o restante da sociedade italiana.
O ministro do Exterior, Luigi di Maio, também do Movimento 5 Estrelas, afirmou ser uma "desgraça" que a lei tenha sido rejeitada, e afirmou que gays ainda enfrentam discriminação na Itália.
O ministro do Trabalho, o social-democrata Andrea Orlando, igualmente descreveu o resultado da votação no Senado como uma "desgraça para o país".
O líder dos social-democratas, Enrico Letta, afirmou que as pessoas que queriam que a Itália regredisse no tempo venceram desta vez. "Mas o sentimento no país é outro. E logo isso vai ficar claro."
Críticas do Vaticano
Críticos da lei afirmaram que ela colocava em risco a liberdade de expressão, incluindo daqueles que acreditam que uma família é formada pela união entre um homem e uma mulher, e poderia abrir caminho para propaganda gay em escolas.
Em junho, o Vaticano apresentou uma rara queixa diplomática formal contra a proposta, alegando que ela violaria a concordata, um tratado bilateral, entre a Itália e a Santa Sé. A lei poderia fazer com que católicos fossem processados por expressar opiniões em favor de estruturas familiares heterossexuais tradicionais, argumentou.
O Vaticano também temia que a lei pudesse levar à criminalização da própria Igreja Católica por se recusar a realizar casamentos gays, se opor à adoção de crianças por casais do mesmo sexo ou se recusar a ensinar teoria de gênero em escolas católicas.
Matteo Salvini, líder da Liga Norte, afirmou que os autores da lei não conseguiram angariar apoio dos críticos devido à sua inflexibilidade em relação aos conteúdos do projeto. "Eles disseram não a todas as propostas de consenso, incluindo aquelas propostas pelo Santo Padre [papa Francisco], por associações e por muitas famílias."
Maioria da população a favor da lei
Agora, o Parlamento não pode retomar discussões sobre o projeto de lei nos próximos seis meses, segundo as regras do Legislativo italiano, o que torna quase impossível aprová-lo antes que a legislatura atual termine, no início de 2023.
Uma pesquisa de opinião realizada em julho apontou que 62% dos italianos apoiavam o projeto de lei anti-homofobia. No país, onde a união civil entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada em 2016, propostas envolvendo direitos civis frequentemente são alvo de forte oposição de grupos católicos e conservadores.
O grupo de defesa dos direitos LGBTQ Arcigay afirmou que registra mais de 100 casos de crimes de ódio e discriminação por ano e que tentativas de punir atos de homofobia e transfobia nos últimos 25 anos fracassaram.