Tem sido comum que após declarações racistas, homofóbicas ou machistas, bolsonaristas clamem para que sejam protegidos pelo direito à liberdade de expressão.
No entanto, especialistas escutados pelo Brasil de Fato refutam essa possibilidade e alertam que a extrema-direita tem dado o nome de “opinião” aos crimes que comete, como ocorreu com o jogador de vôlei Maurício Souza.
“A liberdade de expressão está presente em todas as democracias, um valor imenso para os direitos humanos, onde está incluso, inclusive, a liberdade de imprensa. Mas ele precisa conviver com outros direitos e com outros valores éticos fundamentais. O que tem acontecido no Brasil contemporâneo é o uso da liberdade de expressão para ferir outros direitos que são consagrados”, explicou Tânia Maria Oliveira, da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Vinícius Silva, coordenador do Núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública de São Paulo (Nuddir) também criticou o que chamou de “interpretação equivocada da liberdade de expressão.”
“Uma das limitações, que hoje tem se estabelecido em relação a esse direito, é quando, travestida de liberdade de expressão, algumas manifestações fomentam discurso de ódio e de intolerância, notadamente em desfavor de grupos sociais vulneráveis”, diz.
Para o defensor público, o jogador Maurício Souza também tentou se proteger, após cometer o crime de homofobia, alegando que estava protegido pela lei.
“O texto que ele publicou nas redes sociais reforça estereótipos negativos sobre gênero, sexualidade e diversidade sexual. Ele faz suposições de que a construção da sexualidade de crianças e adolescentes poderia ser afetada pela simples existência de um personagem de quadrinhos bissexual.”
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Tânia Oliveira não tem dúvida. “É crime de homofobia. Você não pode alegar liberdade de expressão para inferiorizar e discriminar qualquer pessoa, por sua orientação sexual. É discurso de ódio”, explicou a jurista.
“É importante recordarmos que o Supremo Tribunal Federal (STF), através do ministro Alexandre de Moraes, tem investigado os bolsonaristas que incidem no discurso de ódio”, encerra.
Em sua defesa, Souza foi às redes sociais alegar que tem direito a manifestar sua opinião. Silva alerta que o atleta bolsonarista falhou e cometeu um crime.
“É uma fala equivocada, do ponto de vista da própria ideia de sexualidade, considerando que a construção da sexualidade é multifatorial, é uma fala com caráter discriminatório. De uma certa forma, essa manifestação preconceituosa não pode ser acobertada pelo princípio da liberdade de expressão.”
Entenda o caso
Na tarde da última quarta-feira (27), o Minas Tênis Clube anunciou a demissão do central Maurício Souza. A rescisão ocorreu após as declarações homofóbicas do atleta. O clube aguardava que o esportista se retratasse e fizesse uma declaração pública imediata, o que ocorreu, mas com ironia.
“Vim aqui para pedir desculpas a todos que se sentiram ofendidos com a minha opinião, por eu defender aquilo que eu acredito. Não foi a minha intenção. Assim como vocês defendem o que vocês acreditam, eu também tenho o direito de defender o que eu acredito”, afirmou o atleta.
A direção do clube, pressionada por patrocinadores, torcedores e mídia esportiva, decidiu demitir Souza. Em suas redes sociais, no dia 12 de outubro, Souza criticou o anúncio, feito pela DC Comics, de que o novo Super-Homem, filho de Clark Kent, se descobrirá bissexual nas próximas edições da história em quadrinhos.
“Ah é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, publicou Souza, em suas contas nas redes sociais. A publicação foi repercutida por diversos bolsonaristas, entre eles, o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Entre os jogadores de vôlei, a declaração foi mal recebida. O ponteiro da seleção brasileira, Douglas Souza, que faz parte da comunidade LGBTQIA+, repudiou a declaração. “Homofobia é crime, não é opinião.”
Ainda nas redes sociais, atletas do vôlei apoiaram Douglas Souza e criticaram Maurício Souza, como Gabi Guimarães, Carol Gataz, Erika Coimbra, Fabi Alvim e Sheilla Castro. Ato contínuo, os patrocinadores do Minas Tênis Clube pressionaram a entidade a tomar atitudes contra o central.
A Gerdau, uma das empresas que financia a equipe, exigiu a demissão de Souza. “Entendemos a necessidade de remoção dos conteúdos recentemente divulgados pelo atleta. A Gerdau aguarda o cumprimento dessas iniciativas. A empresa reforça seu compromisso com a diversidade e a inclusão, um valor inegociável para a companhia e, ainda, que repudia qualquer tipo de manifestação de cunho preconceituoso e homofóbico”, informou, em nota, a empresa.
Ao vivo, na Rede Globo, o ex-jogador Walter Casagrande foi ainda mais contundente nas críticas à Maurício Souza.
“Eu não me surpreendo, porque esse cara é homofóbico, é um cara que foi mau caráter comigo. Parabéns a todos os atletas que se posicionaram. Esse cara, Mauricio Souza, é um homofóbico, preconceituoso, possivelmente racista, covarde e mau caráter.”
A pá de cal veio na tarde de quarta (27). O técnico da seleção brasileira de vôlei, Renan dal Zotto, fechou as portas da equipe para Souza.
“Fiquei decepcionado. É inadmissível este tipo de conduta do Maurício e eu sou radicalmente contra qualquer tipo de preconceito, homofobia, racismo. Em se tratando de seleção brasileira, não tem espaço para profissionais homofóbicos. Acima de tudo preciso ter um time e não posso ter este tipo de polêmica no grupo.”
Edição: Leandro Melito