Amazônia

Documentário "Castanhal" mostra a dura rotina dos coletores de castanha do Pará

A atividade, que atravessa gerações, está ameaçada pelo avanço do desmatamento e do agronegócio na Amazônia

Ouça o áudio:

A rotina dos extrativistas inclui caminhar horas pela mata, quebrar os cocos e carregar fardos de mais de 80 quilos - Divulgação
A castanha especificamente é um produto que já tentaram levar para plantar fora do Brasil

Uma atividade que exige conhecimento profundo da floresta: é assim a coleta da castanha do Pará. Um ingrediente que é exportado para o mundo todo, geralmente por um valor bem alto.

Mas para quem está na base da cadeia produtiva, o cotidiano é marcado por trabalho duro, pouca remuneração e muita preocupação com o futuro. É isso que mostra o documentário “Castanhal”, feito por jornalistas do Brasil de Fato em parceria com a ONG Papel Social.

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A gravação do documentário foi no início de 2019. Ao todo, a equipe passou quarenta dias no município de Boca do Acre, na divisa do Amazonas com o Acre. E não teve muita preparação: sem sinal de internet e de telefone, o jeito foi se embrenhar de barco na floresta e ir conhecendo as pessoas pelo caminho. 

“Os rios são sinuosos, então distâncias relativamente curtas em linha reta se tornam muito compridas, e a gente foi conhecer unidades de conservação, mas sem saber que realidade encontraria lá. A gente chegava nas comunidades, dialogava pra entender que tipo de situação estava acontecendo, pra daí buscar formas de retratar isso”, conta o diretor Rodrigo Chagas. 

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Durante as filmagens, a equipe teve que lidar com alguns perrengues. Por exemplo, o barco do ICMBio que eles usavam para andar pelos igarapés foi furtado, como lembra o diretor de fotografia Vitor Shimoura:

“E aí a gente acordou sem o barco. E a gente ficou ilhado em uma comunidade. Pra continuar a pauta, a gente teve que pedir ajuda pros amigos das pessoas que moravam lá, que levaram a gente até o Fernando, que foi a família que a gente conseguiu dormir na casa”, recorda. 

Foi com o Fernando que eles conseguiram acompanhar um dia todo de trabalho na coleta de castanhas. Uma atividade que começa de manhã bem cedo, e muitas vezes envolve horas de caminhada dentro da floresta. E Vitor conta que isso é só o começo. 

“Eles ficam o dia inteiro quebrando a castanha, que é um trabalho super duro, tem que ficar dando porrada na castanha pra abrir ela e coletar. E o pior é depois eles terem que levar uns 80, 90 quilos nas costas nessa trilha, no meio dos paus, subindo e descendo ladeira. Então é um trabalho muito desgastante, fisicamente e mentalmente”, afirma.  

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Esse esforço todo é pouco valorizado: os coletores sofrem com a má remuneração, o endividamento e a falta de políticas públicas para organizar melhor a cadeia produtiva. E ainda têm que lidar com o avanço do desmatamento e do agronegócio, uma realidade que ameaça a própria atividade da coleta de castanha. 

“A castanha especificamente é um produto que já tentaram levar para plantar fora do Brasil, fora da floresta amazônica, mas a árvore só é produtiva, só dá castanha em abundância dentro da floresta amazônica por uma série de fatores. Pra resumir, tem a ver com a floresta estar preservada, com a presença de polinizadores, com o solo, com a relação com outras árvores também”, explica Chagas. 

Manter a floresta de pé e garantir boas condições de trabalho para os coletores é fundamental para ter um produto abundante e sustentável. 

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Mas vai além: só assim é possível preservar um modo de vida que atravessa gerações, e que está intimamente conectado à floresta. Rodrigo lembra que era comum ver as pessoas em um estado de contemplação, quase meditativo. Isso porque a vida ali não acompanha o tempo do relógio, e sim o tempo da natureza. 

“A floresta te impõe condições que não dá pra passar por cima. Pra ir de um lugar a outro é preciso respeitar o tempo que o rio te impõe, que a correnteza do rio te impõe. É possível pegar 3, 4, 5 dias, uma semana sem parar de chover. E aí é permanecer, é estar, é ser parte”, relata o diretor.  

“Castanhal” está percorrendo o circuito de festivais de documentário no Brasil e na América Latina, e está na grade da programação da TV Senado e da TV Câmara. Para o ano que vem, a ideia é disponibilizar gratuitamente na internet. 

Edição: Daniel Lamir e Douglas Matos