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Brasil subordina natureza à “pata do boi“

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O não cumprimento das metas de Biodiversidade e de Clima, pode implicar em retaliações à agricultura de exportação do Brasil. - Creative Commons
Brasil mostra submissão a setor do agro ao rejeitar maior proteção de ecossistemas

Por Catarina Bortoletto, Lucas dos Santos Rocha, Luís Gustavo Branco, Lucas Vasconcelos Moreno e Olympio Barbanti Jr, integrante4s do OPEB.

 

Apesar de o governo do Brasil se apresentar como “ator incontornável” nas negociações ambientais, seu papel na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre a Biodiversidade (COP 15) foi contornar as propostas de avanço na proteção da natureza. Detentor da maior biodiversidade do planeta, o Brasil tinha, até 2018, se apresentado como uma das vozes mais propositivas no tema. Na COP 15, cuja primeira parte ocorreu de forma semi-presencial e foi encerrada no dia 15 de outubro, em Kunming, na China, o governo Bolsonaro evitou apoiar as metas de ampliação da proteção da biodiversidade.

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Nesta primeira parte da conferência, alguns países apresentaram propostas para avançar na proteção ambiental e fizeram declarações fortes. O presidente chinês, Xi Jinping, anunciou a criação do Fundo de Biodiversidade de Kunming, no valor de cerca de US$ 233 milhões (aproximadamente R$ 1,28 bilhão), para apoiar ações de conservação na natureza em países em desenvolvimento. Japão, União Europeia, França e Reino Unido apresentaram declarações de compromisso fortes.

Os temas de biodiversidade, clima, segurança alimentar e oceanos estão intimamente ligados. São o “coração” das questões ambientais contemporâneas. Embora as questões climáticas estejam mais visíveis pela cobertura da imprensa, a perda da biodiversidade tem efeitos igualmente catastróficos para a humanidade, e está ocorrendo a uma taxa jamais vista, e que está se acelerando. Cerca de 20% dos principais biomas terrestres tiveram redução expressiva desde o ano de 1900, e aproximadamente 1 milhão de espécies estão ameaçadas de extinção. A biodiversidade é que sustenta a vida na Terra como ela é atualmente. Mudanças climáticas são um estresse adicional à derrubada de florestas, à degradação de rios e mares, dentre outros sistemas, afetando, portanto, ecossistemas, espécies e genes.

A posição brasileira foi contrária à principal proposta da COP 15, de aumentar de 17% para 30%, até 2030 (proposta 30x30), a área territorial de ecossistemas a serem protegidos. Cientistas ambientais, as Nações Unidas e organizações ambientalistas internacionais concordam que é fundamental ampliar a área de terras e mares sob proteção para garantir que os chamados sistemas de suporte à vida parem de desaparecer ou de perder sua integridade. A posição do governo Bolsonaro em Kunming foi a de questionar a meta de 30%, afirmando que não existe uma “métrica única” para todos os países. A partir de outro enquadramento, focado em Direitos Humanos, algumas organizações não governamentais alertaram que a meta 30x30 pode afetar negativamente populações indígenas e tradicionais se não houver atenção às dimensões sociais da preservação ambiental próximas a esses grupos.

Além da negação da importância do meio ambiente e de suas funções ecossistêmicas, a posição do governo Bolsonaro reflete uma subordinação de toda e qualquer agenda ambiental aos interesses de uma fração do agronegócio brasileiro que não se insere diretamente nas cadeias internacionais e não está exposto a demandas globais por governança ambiental e responsabilidade social dos atores privados. Trata-se da fração “pata do boi” do agronegócio – a fração que representa, especialmente, os grupos ligados à expansão da fronteira do desmatamento na Amazônia, e ao suprimento de carnes de gado para o mercado nacional.

Essa posição tem interesses econômicos e financeiros que ficarão expostos durante as negociações da Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP 26), nesta semana. O que parece estar por trás da posição brasileira é o interesse na financeirização da natureza, da qual alguns atores podem se beneficiar majoritariamente. Essa lógica ficou mais evidente com o lançamento pelo governo Bolsonaro do programa Floresta + Agro, no último dia 27 de outubro. O programa prevê o pagamento por serviços ambientais prestados por detentores de terras – entes públicos e privados, fazendeiros e comunidades, porém mais acessível ao agronegócio. O interessante, por assim dizer, é que esses atores receberiam pagamento – a nova versão de créditos de carbono – por “preservar” as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de Reserva Legal (RL), que, pelo Código Florestal brasileiro, eles são obrigados a manter!

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Esse programa complementa outro, chamado Floresta + (sem o “agro”). O Floresta+ tem foco na Amazônia Legal, e pode beneficiar “pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, grupo familiar ou comunitário que, de forma direta ou por meio de terceiros, executem as atividades de serviços ambientais em áreas mantidas com cobertura de vegetação nativa ou sujeitas à sua recuperação”, segundo nota da agência governamental. Em tese, esses recursos poderiam beneficiar “diversas categorias fundiárias, sejam elas áreas privadas, de preservação permanente e de uso restrito, assentamentos, terras indígenas ou unidades de conservação, desde que tenham atividades de proteção e conservação de recursos naturais”, segue a informação oficial. Na prática, a necessidade de comprovação de que a área permanece preservada pode impedir atores da sociedade de se beneficiar dos programas.

Considerando a sequência dos fatos - a posição do governo Bolsonaro parece ser a de condicionar uma proteção adicional de ecossistemas até 30% do território ao reconhecimento – nacional e internacional – de que os produtores rurais e outros entres – incluindo o próprio governo - podem receber tais pagamentos por serviços ambientais.

Em 3 de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do projeto de lei 2.633/2020, que facilita a regularização fundiária de áreas invadidas em terras da União. Trata-se do chamado "PL da grilagem", que prevê anistiar invasores de terra que poderão, por simples declaração, incorporar às suas posses novas terras públicas que eles invadiram. A tendência é que, no Senado, seja aprovado o PL, possibilitando regularizar áreas públicas invadidas até 2014. Toda essa turma poderá, então, receber pagamento por serviços ambientais – o novo “crédito de carbono” – pela manutenção da floresta em áreas públicas que eles invadiram, ou pela recuperação das florestas que eles derrubaram e queimaram.

No entanto, o não cumprimento das metas de Biodiversidade e de Clima, pode implicar em retaliações à agricultura de exportação do Brasil. Sendo assim, a posição brasileira na COP 15 da Biodiversidade foi mais uma vez conservadora em relação à aceitação das mudanças propostas coletivamente no cenário internacional, e agressiva, considerando-se que o agronegócio brasileiro está na berlinda pelos danos ambientais que tem causado, especialmente à Amazônia. Há sinais de que o governo Bolsonaro está “esticando a corda”, está “pagando para ver” se empresas e governos vão aceitar as condições do país detentor da maior biodiversidade do planeta, e pagar, segundo os critérios do governo Bolsonaro, pelos serviços ambientais que o Brasil presta globalmente.

 



 

Edição: Rodrigo Durão Coelho