A conclusão da relatoria da CPI pode ser um bom passo para uma nova transição democrática
Por Edgard Monteiro de Menezes*
Em sessão na última terça-feira (26), foi aprovado por 7 votos a 4 o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, apresentado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Agora, é de atribuição da Procuradoria Geral da República o exercício de organização dos elementos informativos colhidos e o dever de oferecimento da ação penal pública. Tal como o Inquérito, o relatório da CPI é dispensável, o que quer dizer que o titular da ação penal – Ministério Público Federal - pode arrogar outros tipos penais às condutas do chefe do Poder Executivo.
O crime de epidemia com resultado morte (art.267, §1º, do Código Penal), cuja pena máxima pode alcançar 30 anos de reclusão, parece o mais bem desenhado para ser imputado ao atual presidente da República. A respeito deste tipo penal e da subsunção das condutas de Jair aos elementos dessa norma, vale destacar o seguinte:
Os elementos da vontade e da consciência que integram o dolo dirigido ao resultado mortífero são muito bem identificados nas condutas ordenadas e metódicas de Bolsonaro.
Desde o início da tragédia sanitária, o ex-capitão promoveu aglomerações, incitou sua base mais agressiva a invadir hospitais, promoveu bombardeio de fake news que objetivavam negar a circulação do vírus e constranger xs trabalhadorxs a trabalharem sob as condições mais inseguras possíveis; chegou inclusive a vetar internet gratuita aos alunos e professores da rede pública que necessitavam estudar de maneira remota.
Mas há questões mais graves no que diz respeito às ações contundentes do presidente que, inegavelmente, proporcionaram o aumento das mortes pela covid-19. No auge da pandemia – a maior crise sanitária dos últimos cem anos -, que ocorreu neste ano de 2021, o governo promoveu corte de 20 bilhões no orçamento da Saúde, o que é um verdadeiro ato de massacre.
No que tange à propaganda do “Kit Covid” e, principalmente, do fármaco Hidroxicloroquina, impulsionada por Bolsonaro, com afinco, constância e muito dinheiro público, não se trata, meramente, de incentivo à ingestão de droga cuja eficácia não é comprovada. Esses remédios são comprovadamente ineficazes e atingem o organismo das pessoas que deles não necessitam tal como qualquer envenenamento o faria.
Ademais, inumerável conduta denota uma violência sem igual do profano Messias: o retardamento proposital na aquisição das vacinas, com fortes indícios de corrupção.
No Brasil, há uma epidemia específica, dado que o país se posiciona em 7º lugar mundial no ranking “maior número de mortes por um milhão de habitantes”.
Apenas oficialmente, a pandemia de Bolsonaro provocou um número de mortes que é superior ao número da população da cidade de Lisboa, em Portugal. O dimensionamento desse fato é maior, se refletirmos que aqui há um sistema de saúde pública universal extremamente sofisticado, e mundialmente referenciado. O esforço para o recorde sombrio foi alto.
Não há dúvidas que a classe trabalhadora brasileira precisa de respostas e é necessária a responsabilização daquele que promoveu atos e ondas fascistizantes que, segundo o saudoso Leandro Konder, dizem respeito às práticas dolosas que se servem “de mitos irracionalistas e de procedimentos racionalistas formais de tipo manipulatório” para segregar, espoliar e matar indivíduos de grupos concretamente determinados.
No Brasil, foram os pobres, os negros, os encarcerados, as trabalhadoras informais, as aposentadas, os quilombolas e povos nativos as maiores vítimas, em proporção, da catástrofe sanitária.
A conclusão da relatoria da CPI pode ser um bom passo para uma nova transição democrática.
*Edgard Monteiro de Menezes é Advogado, especialista em Direito Penal e em Direito Público e Mestrando em Direito pela UERJ.
**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito