Somos mais monitorados do que na ditadura militar
Hoje, basta eu criar uma narrativa sobre determinada realidade e lançá-la nas redes sociais. Se essa narrativa for replicada insistentemente, ela vira realidade e a realidade vira distorção.
Não importa a verdade, importa o que eu estou narrando agora. Hoje até relações familiares são discutidas - e muitas vezes resolvidas - de forma online, pra todos terem acesso e comentarem.
Esse distúrbio social se dá pelo fato de que a sociedade atual se pauta por vaidade, individualismo e aparência. E não por valores éticos de responsabilidade coletiva e consciência social.
:: A impermanência e o amor pelos animais ::
O poder vem do smartphone, ou melhor, dos que produzem esses "diabinhos". E as grandes empresas que os fabricam sabem disso e controlam o mercado de forma dura e cruel.
A disputa por nichos de mercado e número de consumidores é brutal. Isso sem falar no controle de dados, que é o principal local onde gira o mercado nessa roda.
Passei há pouco por uma experiência neste sentido e me senti uma idiota. Migrei do sistema IOS para o Android e percebi, na prática, que não é possível haver diálogo entre aparelhos de sistemas diferentes. Você perde todo ou quase todo o seu conteúdo salvo no dispositivo anterior.
:: Quero ter esperança ::
A Apple, empresa gigante, faz de modo com que depois de 4 anos de uso seu aparelho simplesmente morra. Assim, você deve comprar o que foi lançado no mercado exatamente no dia anterior. E este novo dispositivo custa uma fortuna. Ou seja, pague pelo seu iPhone, mas se quiser um aparelho mais em conta, migre pra um Android e foda- se.
Essas empresas bilionárias, trilhorarias, possivelmente não são constituídas de seres humanos. E nós todos e todas estamos nos desumanizando.
Há alguns anos atrás, quando foi lançada pela Netflix a genial série Black Mirror, especialmente a primeira temporada, foi um tremendo choque. Pensamos: "Nossa, estamos caminhando para isso!" Pois agora eu digo que sim, já chegamos nisso. E Elon Musk está aí para provar.
O próximo passo será, assim como em um dos episódios da série, nos instalarem pequenos chips dentro da pele que nos habita, para facilitar o controle sobre nós: a massa que não pensa, que perdeu a capacidade de dedução, apenas irá circular como zumbis repetidores de narrativas alheias.
E ao falar em criar narrativas, podemos observar nas redes, especialmente entre os adolescentes e jovens, os padrões de beleza e comportamento adotados que podem incorporar cirurgia plástica, botox, preenchimento, lipoaspiração, muita maquiagem, remédios pra emagrecer, apliques de peitos e bundas e por fim um filtro, claro, porque que ninguém é de ferro!
E tudo isso a um alto, altíssimo custo financeiro e de saúde física e mental.
Não temos, desde que surgiu esse sistema de comunicação, liberdade de ir e vir, pois estamos inteiramente sendo controlados por satélites. Nossos eficientes "diabinhos móveis" cuidam muito bem de nos localizar. Sempre! Desceu do avião, mamãe e papai já sabem pra onde fomos. Somos mais monitorados do que na ditadura militar.
Ao pensar em tecnologia de ponta e sistemas eficientes de comunicação, deveríamos pensar em benefícios para o conjunto da humanidade. Ou seja, esse enorme arsenal de dados e de inteligência que existe na internet (na Apple, Google e outras empresas big techs) deveria funcionar para o bem comum. Mas não, é seletivo e interessa ao mercado que assim se mantenha.
Imagina a distribuição de celulares e computadores. Sistemas e aparelhos sendo oferecido a todes, visando o bem comum e o crescimento científico e social do planeta?
Explodia a Apple. Explodia a Google.
Imagina se é possível compartilhar conhecimentos essenciais em massa? Mas não é. Só é possível controlar seres humanos e por isso se construiu essa indústria do ego, das narrativas falsas, das fake news. Tenha um filtro para acreditar no que lê e vê nas redes sociais.
Este é um verdadeiro abalo à inteligência comum.
Hoje em dia todos, ou a grande maioria, jogam este jogo.
Parece que não podemos mais nos mover, viver, respirar sem um smartphone. É nosso vício adquirido pra vivermos em sociedade.
Queria viajar no tempo pra o futuro pra poder ver as consequências disso.
A vida é mais que um game, é bem mais que isso.
*Atriz e diretora, protagonizou muitas novelas que hoje são clássicos da teledramaturgia mundial. Premiada no cinema nacional e internacional, é uma personalidade brasileira com influência internacional fundamental na luta em defesa do meio ambiente e dos povos da floresta há mais de três décadas. Siga Lucélia nas redes sociais: twitter.com/luceliaoficial | instagram.com/luceliasantosoficial
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito