A participação formal de companhias de petróleo não foi permitida na Cúpula do Clima, a COP26. Para participar do principal evento climático do mundo, os organizadores determinaram que as empresas tivessem metas climáticas consistentes com a emergência apontada pelas últimas evidências científicas sobre mudanças do clima.
Leia também: Artigo | O petróleo é deles
Essa decisão ocorre em meio ao crescente nível da pressão social, política e financeira a que essas empresas estão submetidas para avançarem na descarbonização e redução do impacto ambiental de suas atividades.
Exemplo mais recente disso foi o anúncio da Shell se comprometendo a reduzir pela metade suas emissões de dióxido de carbono até 2030, em comparação aos níveis de 2016, um dia após apelos do fundo Third Point para que a empresa anglo-holandesa acabe com sua postura incoerente na ação climática. Situações semelhantes têm ocorrido com todas as majors petrolíferas, principalmente desde 2020.
O ano ficou marcado por promessas inéditas feitas pelas grandes empresas petrolíferas. A BP foi a primeira entre seus pares a anunciar a ambição de zerar emissões de carbono até 2050. A Shell, a TotalEnergies e a Equinor logo seguiram o mesmo caminho.
Contudo, os cenários que as empresas delineiam para os próximos anos não sinalizam a saída dos negócios de óleo e gás no curto ou médio prazo.
E os compromissos com a ação climática têm sido considerados muito aquém do que é realmente necessário para conter o aquecimento global. Enquanto isso, a urgência de medidas concretas frente à crise climática é ponto pacífico entre os cientistas, assim como a necessidade de mudança de matriz energética global, como mostra o último relatório do Painel Intergovernamental do Clima (IPCC, na sigla em inglês).
:: Análise | Por que o mundo não quer explorar petróleo no Brasil ::
A Agência Internacional de Energia apontou que, para que os objetivos do Acordo de Paris sejam alcançados, é necessário que sejam interrompidos novos projetos de óleo e gás e traçou uma série de medidas a serem levadas em conta pelos governos e pelo setor, como o aumento da eficiência energética e o investimento em fontes de energia renováveis e em mecanismos de captura e armazenamento de carbono.
Em outubro, a agência alertou em seu relatório anual que não só as promessas anunciadas pelos governos resultariam em apenas 20% da redução necessária até 2030 para atingir as emissões líquidas zero até 2050, como também que há a previsão de turbulências nos mercados globais de energia.
O enfrentamento dos desafios climáticos e o avanço e execução de soluções possíveis conta com o papel fundamental da indústria petrolífera.
É verdade que parte do movimento de descarbonização das empresas de petróleo é realizado visando manter acesso a investimentos diante da pressão de acionistas, além de que os negócios em baixo carbono representam oportunidades financeiras. É evidente também que esse é um processo que tem caráter de transição e adaptação complexas e que levará a novas configurações do setor de energia em âmbito nacional e internacional.
Tendo em vista implicações de toda ordem, socioeconômicas e geopolíticas, e o papel essencial das grandes petrolíferas internacionais no financiamento desse processo de transição, as ações dessas empresas precisam estar no radar.
Transição energética
Nesse ínterim, o Brasil tem assumido espaço importante nas iniciativas de transição energética de grandes empresas petrolíferas. Com estratégias variadas, elas têm apostado na diversificação de seus portfólios e ampliado investimentos no segmento de renováveis e de gás natural, o qual tem sido considerado como combustível de transição.
Seguindo esse caminho e visando à integração de seus negócios no Brasil, a Shell tem se destacado. Recentemente, a empresa lançou a Shell Energy no país, responsável pelo portfólio nacional de geração e comercialização de energia elétrica e de descarbonização, e anunciou que planeja investir R$ 3 bilhões em projetos em fontes renováveis, como solar e eólica, e térmicas abastecidas a gás no Brasil até o fim de 2025.
Leia mais: Negociações na COP26 chegam a um impasse: quem pagará pelas sequelas das mudanças climáticas?
Ao todo, a empresa anglo-holandesa tem projetos em desenvolvimento com capacidade de geração instalada superior a 2 GW. Um deles é a construção da planta solar Aquarii, em Minas Gerais, com capacidade de 190 MW, viabilizado em parceria com a Gerdau. No segmento eólico onshore, a empresa pretende investir em aquisições de negócios no país, enquanto que estuda entrar no mercado de eólica offshore. Na área de biocombustíveis, a empresa desenvolve desde 2011 negócios por meio da Raízen, uma joint-venture entre a empresa e o Grupo Cosan.
A Shell também pretende ampliar as atividades no segmento de gás, com o aumento da produção no pré-sal e geração termelétrica a gás, além da importação de gás natural liquefeito (GNL). Como exemplo, no seu portfólio, já conta com a construção da termelétrica de Marlim Azul, no Rio de Janeiro, oferecendo capacidade total instalada de 565 MW e com expansão futura planejada. A usina entrará em operação em 2022 e será a primeira térmica do país operada por uma empresa privada a ser abastecida pelo gás do pré-sal.
A Galp anunciou em outubro a entrada no mercado brasileiro de energia solar, com a aquisição de dois projetos solares fotovoltaicos na Bahia e no Rio Grande do Norte, com capacidades de 282 MWp e 312 MWp, respectivamente. A empresa portuguesa declarou que investirá US$ 300 a US$ 400 milhões em energias renováveis no Brasil, tendo em perspectiva o desenvolvimento de um portfólio de 4 GW de energia renovável na América Latina até 2030.
No segmento de gás, a Galp pretende iniciar a comercialização do gás natural produzido no país em 2022 e também avalia projetos para importação de GNL para o país, para suprir o sistema elétrico. Cabe ressaltar que sua produção total de óleo e gás é altamente concentrada no Brasil, contando com importantes participações em grandes projetos de exploração e produção no pré-sal.
A TotalEnergies se soma a essas empresas na busca por uma atuação integrada no Brasil a medida que investe em iniciativas de transição energética. A empresa francesa aposta significativamente no segmento de gás e de eletricidade, enquanto que, na geração de energia renovável, atua por meio da Total Eren. Essa detém já 300 MW de projetos solares e eólicos em funcionamento ou em construção no Brasil.
A BP tem projetos de energia renovável em andamento no Brasil, com portfólio em biocombustíveis, bioeletricidade e energia solar. Em destaque, desde 2019, a empresa britânica conta com atuação da joint-venture bp Bunge Bioenergia, segunda maior do setor sucroenergético nacional, dispondo de 11 usinas espalhadas pelo país, com capacidade de produção de mais de 1,8 bilhão de litros de etanol, 1,4 milhão de toneladas de açúcar e de exportação de 1.300 GWh de energia para a rede elétrica. Por intermédio da joint-venture Opla, a BP também opera um terminal de armazenamento e distribuição de etanol.
No segmento de energia solar no Brasil, a empresa possui 2 GW em projetos em diferentes estágios de desenvolvimento por meio da joint-venture Lightsource bp. Já no segmento de gás, a companhia está participando da construção do maior parque termelétrico a gás natural da América Latina, localizado no Porto do Açu, no Rio de Janeiro, e será a fornecedora exclusiva de GNL das duas usinas do parque, que terão 3 GW de capacidade instalada.
Já a Equinor entrou em 2018 no mercado brasileiro de energia renovável, investindo em geração solar no Brasil a partir da compra de participação na Scatec Solar, a maior do segmento na Noruega, operadora do Complexo Apodi, no Ceará. O projeto tem capacidade de 162 MW e foi a primeira usina solar do portfólio global da Equinor. Dentro dos pilares de seu plano de negócios, a empresa norueguesa pretende também investir na instalação de fazendas eólicas offshore no Brasil e na ampliação de cadeia de valor no setor brasileiro de gás.
Inevitável notar que a Petrobras, enquanto isso, desinveste nos segmentos de energia renovável e gás, abdicando de posicionamento estratégico no mercado brasileiro.
Em meio à emergência da crise climática, enquanto que as incertezas são múltiplas, é mais do que certo que as movimentações dessas grandes empresas internacionais precisarão ser contabilizadas ao pensarmos a transição energética no Brasil, o futuro do setor de energia no país, e, por consequência, questões relacionadas à segurança energética nacional.
*Isadora Coutinho é mestre em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse