A menos de duas semanas da realização das prévias do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em 21 de novembro, o cenário ainda é de indefinição.
Entre os dois candidatos com chances de se tornar o rosto da sigla nas eleições presidenciais do próximo ano -- João Doria, governador de São Paulo, e Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul -- o que se destaca é a fenda e a farpas trocadas entre ambos.
Desse cenário, no entanto, um candidato brilha aos olhos de alguns analistas políticos: a debilidade tucana na tentativa de emplacar um nome como terceira via, seguida pela possibilidade de o partido sair mais fragilizado do que entrou, sem diálogo com outras legendas e longe da Presidência da República, onde já esteve por mais de um mandato.
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Na visão de André Kaysel, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos coordenadores do Laboratório de Pensamento Político (Pepol), a direita liberal e mais tradicional ambiciona colocar Lula e Bolsonaro em uma página virada da política brasileira, mas atola no caminho em relação à divisão interna sobre nomes, programas e protagonismos.
Se o PSDB se colocar como o partido da terceira via, seja com Doria ou Leite, afirma Kaysel, primeiro terá de convencer algumas figuras: a União Brasil, que é a junção entre o DEM e o PSL e possui nomes como o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, um possível candidato; o ex-juiz Sergio Moro e seu partido Podemos, do ex-tucano Álvaro Dias, passando por cima dos momentos em que o próprio PSDB foi alvo da Operação Lava Jato; e o próprio Ciro Gomes, que desponta desse setor como um nome totalmente adverso, com um programa desenvolvimentista de país.
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Fragilidade interna
Os tucanos, por si só, já vivem uma fragilidade interna. Nesse cálculo, Sergio Simoni Júnior, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acredita que o “PSDB vai sair mais rachado do que unido desse processo da construção de uma terceira via”.
Para ele, além da dificuldade de encontrar apoio fora do partido, as brigas internas vão dificultar o fortalecimento da sigla. “Talvez nessa posição da terceira, o partido não vai ter tanta proeminência, dada a fragmentação interna.”
Até 2018, os candidatos tucanos eram escolhidos de cima para baixo por líderes partidários. A partir de então, começou a trajetória de prévias a partir de brigas internas entre lideranças, e o poder, então, acabou fragmentado.
“Tanto é que o presidente hoje, o Bruno Araújo, tem dificuldades de tocar o partido e de coordenar nas votações no Congresso. Ele se colocou contra, por exemplo, a PEC dos Precatórios, enquanto a maior parte votou a favor”.
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Na mesma linha, André Kaysel afirma que “a base eleitoral que nos pleitos sucessivos havia apoiado os candidatos do PSDB abandonou o partido e passou a votar na extrema direita. Eles [PSDB], estão tentando reconstituir esse campo. Só que é uma empreitada muito difícil, inclusive, porque o PSDB histórico se aposentou em grande medida. Serra, por exemplo, acabou implicado em desdobramentos da Lava Jato”.
“O PSDB, ao radicalizar a sua oposição, não reconhecer os resultados em 2014 e ir para o ‘tudo ou nada’, cometeu um suicídio político. O melhor exemplo disso é o Aécio Neves, consagrado com 48% dos votos em 2014, e que hoje mal se cogita para deputado.”
Outro ponto é que o PSDB não cumpre mais em sua totalidade a representação da classe média urbana e de setores do empresariado e “deixou de definir um papel claro para si”.
O fato de João Doria, uma “figura estranha ao partido”, haja vista que se filiou como um representante da nova direita, ligada ao bolsonarismo, e não ao lado de figuras tradicionais do partido, mostra como o projeto tucano como um todo não está definindo, aponta Kaysel. “Eu tenho impressão que ele está diluído nesse pântano que nós estamos chamando de terceira via.”
Sem espaço para mais desgaste de Bolsonaro
Para André Kaysel, o partido também precisa trabalhar de forma mais expressiva no desgaste de Bolsonaro, ao ponto de que o capitão reformado tenha o apoio apenas de seu núcleo duro. O presidente, entretanto, já foi bastante desgastado politicamente neste ano, devido à pandemia da covid-19, a CPI da Covid e a crise econômica.
O analista político, neste caminho, não vê mais tanto espaço para mais desgaste. “A essa altura não sei se o desgaste de Bolsonaro cai muito abaixo do que já está, e isso para terceira via é péssimo sinal.”
A disputa, por ser interna, pode parecer inexpressiva se comparada ao cenário nacional e às competições entre os partidos e figuras, já observadas. As decisões do PSDB, no entanto, têm peso no jogo político partidário nacional e pode influenciar outras nomeações.
“O PSDB segue sendo um partido importante, tem um governo de São Paulo, tem um governo do Rio Grande do Sul. Ainda que seja uma bancada que tenha diminuído, não é uma bancada irrelevante, nem de longe. Tem esse peso histórico dentro do campo da centro-direita.”
Para o PIB, o importante é ter terceira via consolidada
O poder econômico, porém, não faz uma diferenciação tão rigorosa entre quem será o candidato do PSDB para a terceira via.
Para o setor privado, tanto Doria quanto Leite representam propostas muito semelhantes, na direção de um Estado pequeno, com pouca intervenção, aponta o professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin.
“Não consigo enxergar, pelo menos nesse momento, uma diferença entre os dois”, afirma o docente. “Por outro lado, eu vejo uma mudança importante em relação a como o mercado se posiciona no que diz respeito ao governo Bolsonaro. Hoje o mercado tem uma certa desconfiança com relação ao governo, produzindo muita turbulência, gerando muita incerteza.”
Nesse sentido, para o mercado, o importante é ter uma terceira via consolidada para fazer frente a Bolsonaro e Lula. “Para o mercado, é uma escolha muito difícil, porque de um lado está o que é o indesejável, e de outro lado o que é o inaceitável. Então o mercado quer se afastar dessas duas opções, mas não sei se já vislumbrou uma terceira factível”, afirma.
André Kaysel acredita que, se tiver que escolher entre Lula e Bolsonaro, grande parte da burguesia brasileira irá apostar novamente no capitão reformado, ainda que este tenha dado prova de sua incompetência com sua equipe econômica. Isso porque “a direita liberal é ruim de voto”, acredita o cientista político.
“A maioria da população brasileira se forma entre as classes trabalhadoras. E aí a disputa nesse setor é entre Lula e Bolsonaro. A direita liberal não entra nesse eleitorado. Não é uma direita popular. Isso vale para o Moro também. O debate não é mais a limpeza da corrupção. O debate agora para muita gente é o dia de amanhã.”
Doria x Leite
Segundo Rafael Moreira, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), o PSDB tem uma divisão clássica entre os cabeças brancas, representando as figuras mais antigas e tradicionais do partido, e os cabeças pretas, mais ligados atualmente à nova direita e que se aproximaram da sigla em um momento após sua fundação.
“Essa divisão interna que vem à tona agora é, de certa forma, uma expressão disso. Ainda que Eduardo Leite seja uma figura mais jovem, tem um apoio muito grande dessa ala dos cabeças brancas. Enquanto João Doria representa a ala dos cabeças pretas.”
Por ser do Rio Grande do Sul, Leite precisa contar, portanto, com a ajuda dessas figuras mais antigas para ter maior penetração no estado de São Paulo, como o senador Tasso Jereissati, que abdicou de sua candidatura para apoiar Leite.
“Se ele não tem uma votação boa no estado de São Paulo, pelas lógicas do colégio eleitoral, não vai conseguir ter a candidatura presidencial que tanto sonha.”
Doria, por sua vez, terá muito mais força para controlar os votos na região paulista. Destaca-se o estado de São Paulo, pois é a unidade da federação com o maior número de prefeituras tucanas, além da própria gestão dorista. “Tem toda uma máquina partidária, estadual, montada há décadas, que a gente imagina que é onde Doria vai ter muito mais força do que Leite.”
Edição: Leandro Melito