O presidente Jair Bolsonaro vai poder nomear até 60% das 75 novas vagas abertas para desembargadores nos seis Tribunais Regionais Federais (TRF), o que acendeu um alerta entre juristas para o risco de aparelhamento no poder Judiciário, em uma possível “avalanche bolsonarista".
As escolhas do mandatário serão possíveis por conta da criação do TRF-6, no estado de Minas Gerais, que contará com 18 desembargadores. As demais vagas são referentes à conversão de cargos vagos para juízes federais substitutos em novas cadeiras para desembargadores, prevista no Projeto de Lei (PL) 5.977/2019, encaminhado nesta semana para sanção de Bolsonaro. A medida aumentou o número de magistrados nos outros cinco TRFs. Com isso, o tribunal da primeira região passará de 27 cadeiras para 43. Enquanto que o TRF-2, terá oito desembargadores a mais, do total anterior de 27. Já o tribunal da terceira região aumentará de 43 vagas para 55. Na região Sul, a configuração do TRF-4 terá 12 novos desembargadores, somando, ao todo, 39 cadeiras. O TRF-5 também contará com 9 vagas novas, completando seu quadro com 24 desembargadores.
:: Bolsonarismo amplia poder nos tribunais regionais federais a partir de 2022 ::
Ao todo, de 139 desembargadores federais, o Brasil passará a ter 214. Uma super nomeação nas mãos de Bolsonaro que preocupa o meio jurídico. Apesar do poder de escolha, contudo, a advogada e integrante da coordenação-executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Tânia Oliveira, explica que a nomeação não se trata de uma “canetada do presidente da República”. “O único órgão do poder Judiciário que o presidente tem a liberdade para nomear é o Supremo Tribunal Federal”, ponderou, em entrevista a Rodrigo Gomes na edição desta sexta-feira (12) do Jornal Brasil Atual.
Em alerta
Isso porque a escolha dos desembargadores tem que seguir regras previstas na Constituição Federal que limitam, de certa forma, o mandatário apenas à última palavra. Em sua coluna no UOL, a repórter Carolina Brígido detalha, por exemplo, que do total de vagas, 20% delas são divididas entre o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As instituições são responsáveis por indicar os nomes para os tribunais, transformá-los em lista tríplice e encaminhá-los para escolha do Palácio do Planalto. Dos 80% restantes, metade é escolhida por lista tríplice, pelo critério de merecimento. Mas a Constituição prevê exceção caso um mesmo juiz apareça três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento. Nesse tipo de situação, Bolsonaro será obrigado a nomear o magistrado que se enquadrar nessas condições.
Segundo a reportagem, os outros 40% das vagas devem ser preenchidos segundo critério de antiguidade. E o presidente da República deverá nomear o mais antigo, apontado pelo tribunal, sem direito à lista tríplice. O tempo também pode ser outro empecilho, já que esse procedimento muitas vezes é lento, e as indicações podem se estender ao longo de 2022 e até 2023.
A coordenadora-executiva da ABJD alerta, contudo, que esse é um processo que deve ser acompanhado de perto pela sociedade e a possibilidade de aparelhamento não pode ser descartada. “Na própria formação dessas listas tríplices existe já uma influência política”, adverte. Segundo informações da colunista da Folha de S. Paulo, Mônica Bergamo, o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, vem sendo uma peça-chave na negociação dos candidatos que os tribunais apresentarão ao pai.
Interlocutores de Bolsonaro na escolha dos desembargadores
“É preocupante pensar qual será a influência que o governo vai tentar impor na própria composição dessa lista para que depois ele sancione um nome que já tenha eventualmente negociado lá atrás. Esse processo precisa ser acompanhado com lupa, até porque esses processos dentro do poder Judiciário, infelizmente, não obedecem a critérios muito transparentes e ocorrem de uma forma não muito vigiada pela sociedade brasileira”, analisa a advogada.
O ministro do STF, Kássio Nunes Marques, que já integrou o TRF-1, também é apontado como um dos interlocutores de Bolsonaro nesse processo. Nesta semana, o presidente disse em um vídeo que o magistrado foi indicado por ele para defender na Corte o “conservadorismo”. “Quando se fala em pautas conservadoras, ele já pediu vista de muita coisa que tem que a ver com conservadorismo. Porque, se ele apenas votasse contra, ia perder por 8 a 3, ou 10 a 1. A gente não quer perder por 8 a 3 ou 10 a 1. A gente quer ganhar o jogo ou empatar. Ele está empatando esse jogo”, afirmou. Para Tânia, Nunes Marques “deveria por obrigação moral vir a público para se explicar a respeito dessa afirmação de Bolsonaro”.
“Eu não vejo problema do presidente da República nomear os ministros do Supremo. Isso faz parte do equilíbrio de poderes, o Executivo nomeia, o Legislativo faz a sabatina. O problema é quando isso vira escancaradamente uma política de barganha”, pontua. “Isso é algo que fere o princípio da independência e harmonia entre os poderes e que merece evidentemente uma explicação para a sociedade. Porque a única obrigação que um ministro do Supremo tem é com a Constituição Federal, não com o presidente da República, ou mesmo com pautas do presidente e de sua base militante ou pelo seu pensamento ideológico.”
Confira a entrevista: