Embora existam várias esferas afetadas pelas desigualdades raciais, a análise publicada no Boletim Desigualdade nas Metrópoles* se concentra na desigualdade de renda e nas diferenças existentes nas médias de rendimentos entre brancos e negros, sendo que estes são considerados como sendo pessoas que se autodeclaram pardas ou pretas.
Sobre a média móvel dos rendimentos de negros e brancos para o conjunto das Regiões Metropolitanas, verificou-se que, ao longo de toda a série histórica, há um padrão de estabilidade nesse indicador com o rendimento do trabalho da população branca flutuando em torno de R$ 2.000 e os rendimentos da população negra bem abaixo, em cerca de R$ 1.000, o que significa que, em média, as pessoas brancas ganham duas vezes mais do que as pessoas negras.
“Essas desigualdades se apresentam de modo persistente ao longo da série histórica que estamos analisando", explica um dos coordenadores do estudo, Marcelo Ribeiro.
"O fato dessas desigualdades serem persistentes neste nível, numa razão de dois, em que os brancos ganham em média duas vezes mais do que as pessoas negras, pode decorrer da própria estrutura do mercado de trabalho, que apresenta um conjunto de ocupações que se diferenciam em termos de remuneração”.
Segundo o pesquisador, isso significa que as pessoas negras têm maior dificuldade de acessar aquelas ocupações com maior nível de remuneração.
“São questões de ordem subjetiva, que estão mais vinculadas aos processos de discriminação existentes no mercado de trabalho que constituem como barreiras para o acesso das pessoas negras àquelas ocupações de mais alta remuneração", pontua Ribeiro.
"Os negros acabam ocupando posições no mercado de trabalho que apresentam menor nível de remuneração, que correspondem exatamente àquelas posições de menor prestígio social. Esta seria uma explicação para a persistência dessas desigualdades no mercado de trabalho das metrópoles brasileiras”.
A partir do 2º trimestre de 2020 foram registradas perdas nos rendimentos nos dois grupos, decorrente das consequências econômicas da pandemia de covid-19.
O valor mais baixo da razão entre o rendimento dos brancos sobre o rendimento dos negros – 1,94 – ocorreu no 2º trimestre de 2014 e a partir de então cresceu consecutivamente até atingir o maior valor da série – 2,11 – no 3º trimestre de 2017.
A razão voltou a cair até meados de 2018 e então se elevou até 2,10 no 2º trimestre de 2020 e desde então vem decrescendo, alcançando 2,04 no 2º trimestre de 2021.
O boletim considera os rendimentos habituais do trabalho. Ao utilizar a divulgação trimestral da PNADc, o que garante uma menor defasagem dos dados, são acessados apenas os rendimentos do trabalho (formal e/ou informal), não incluindo, portanto, os rendimentos de outras fontes – estes presentes na divulgação anual.
Para o cálculo das estatísticas de desigualdade, os pesquisadores dão preferência ao uso da renda domiciliar per capita do trabalho.
A desigualdade racial e de gênero no mercado de trabalho no Brasil
No que se refere ao mercado de trabalho, segundo dados apresentados no início deste ano no Nexo Políticas Públicas sobre a taxa de desocupação no segundo trimestre de 2020, homens brancos possuem maiores salários e menores taxas de desocupação em todos os níveis de escolaridade.
Mulheres negras formam o grupo que enfrenta as piores condições. A média geral do rendimento médio mensal, considerando gênero e cor/raça, fica em R$ 2.426. Estes dados de rendimento consideram os ganhos recebidos a partir do trabalho principal. Enquanto os homens brancos ganham R$ 3.467, as mulheres negras recebem R$ 1.573.
A pesquisa também mostra que homens negros têm rendimentos mensais mais altos que mulheres brancas em todos os níveis de escolaridade exceto “sem instrução”.
O homem negro com superior completo ganha R$ 4.743, enquanto o homem branco com superior completo recebe, em média, R$ 6.901. A mulher branca com superior completo ganha R$ 4.308, enquanto a mulher negra com superior completo recebe R$ 2.994.
Sem instrução, a mulher negra é a mais prejudicada, ganhando cerca de R$ 700, enquanto o homem branco ganha R$ 1.259 e a mulher branca recebe R$ 1.371.
Desigualdade racial é evidenciada na pandemia de covid-19
Atualmente, a pandemia de covid-19 realçou a desigualdade racial no país visto que, segundo as notificações do Ministério da Saúde, o vírus apresentou maior letalidade entre a população negra brasileira, atingindo a proporção de 1 em cada 3 mortes.
Além disso, dados coletados por pesquisadores independentes em mais de 5.500 municípios mostram que 55% dos pacientes negros hospitalizados com covid-19 não sobreviveram, em comparação com 38% dos pacientes brancos¹.
Análise publicada em forma de ensaio científico nos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz e assinado por pesquisadoras de unidades da fundação e do Núcleo de Pesquisas Urbanas da UERJ, diz que a desigualdade no acesso a direitos básicos como saúde, saneamento e trabalho tornou a população negra e periférica mais vulnerável à pandemia de covid-19, desmentindo a ideia inicial de que as consequências da doença seriam igualmente sentidas na sociedade.
O ensaio traz dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que mostram a desigualdade socioeconômica entre negros e brancos no país, como o acesso ao saneamento básico, fundamental para os cuidados de higiene necessários para prevenir a covid-19: 12,5% dos negros e 6% dos brancos vivem em locais sem coleta de lixo no país; 17,9% dos negros e 11,5% dos brancos não tem abastecimento de água por rede geral; e 42,8% dos negros e 26,5% dos brancos não possuem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial em casa.
*A quinta edição do “Boletim Desigualdade nas Metrópoles”, publicada em outubro, incluiu um bloco complementar com dados relativos à desigualdade racial nas metrópoles brasileiras, apontando para uma situação de grande disparidade na distribuição dos rendimentos. Coordenado por Marcelo Ribeiro (IPPUR/UFRJ) e Andre Salata (PUC-RS), o boletim resulta de uma parceria entre o Observatório das Metrópoles, a PUC-RS e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito