Em comunicado inesperado, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, anunciou nesta sexta-feira (19) a intenção de revogar três legislações da reforma agrária contra as quais dezenas de milhares de agricultores indianos vêm protestando há mais de um ano.
A decisão de Modi representa um revés significativo para o líder combativo do segundo país mais populoso do planeta e ocorre justamente quando se aproximam as eleições estaduais em regiões politicamente importantes do chamado "cinturão de grãos" da Índia, que incluem os estados de Uttar Pradesh e Punjab, onde o partido de Modi, o Partido Bharatiya Janata (PBJ), anseia pelo apoio dos eleitores.
Modi anunciou a revogação das leis num discurso que marcava o aniversário do nascimento de Guru Nanak, o fundador do siquismo, uma religião monoteísta originada nos fins do século 15.
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Muitos dos agricultores participantes dos protestos são adeptos do siquismo. No discurso, Modi reconheceu que o governo não conseguiu vencer o debate sobre a reforma agrária.
"Decidimos revogar as três leis agrícolas. Vamos iniciar o processo constitucional de revogação destas três leis na sessão parlamentar, a partir do final deste mês", disse Modi, num discurso à nação.
"Apelo a todos os agricultores que participam dos protestos para que regressem à casa. Comecemos de novo e avancemos", acrescentou.
Viva o movimento dos fazendeiros
Dezenas de milhares de agricultores, que justamente formam um dos blocos eleitorais mais influentes na Índia, estão acampados nos arredores da capital Nova Déli desde novembro do ano passado e exigiam a suspensão das leis.
A reforma agrária – com três leis introduzidas em setembro do ano passado – visava desregulamentar o setor – uma mudança que permitia que os agricultores vendessem seus produtos a compradores fora dos mercados atacadistas regulamentados pelo governo, onde os produtores têm garantia de um preço mínimo.
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Eles temiam que a reforma resultaria na redução dos preços que recebem por suas safras. Eles então iniciaram protestos em todo o país – os protestos atraíram ativistas e celebridades da Índia e do exterior, incluindo a ativista climática Greta Thunberg e a cantora americana Rihanna.
Os agricultores acampados nos arredores da capital celebraram o anúncio de Modi – a comemoração incluiu a distribuição de doces e cânticos de "salve o fazendeiro" e "viva o movimento dos fazendeiros".
Em sua maior parte pacífica, a manifestação dos agricultores tomou uma guinada violenta em 26 de janeiro, Dia da República da Índia, quando fazendeiros sobrepujaram a polícia e invadiram o histórico Forte Vermelho em Nova Déli depois de derrubar barricadas e conduziram tratores através dos bloqueios rodoviários. Um manifestante foi morto e vários fazendeiros e policiais ficaram feridos.
"Apesar de muitas dificuldades, estamos aqui há quase um ano e hoje nosso sacrifício finalmente valeu a pena", disse Ranjit Kumar, um fazendeiro de 36 anos de Ghazipur, um relevante núcleo de protesto em Uttar Pradesh, o estado mais populoso da Índia.
Rakesh Tikait, líder de um grupo sindical de agricultores, afirmou que os protestos só serão cancelados quando o parlamento revogar as leis em definitivo.
Golpe para a agricultura indiana
A capitulação de Modi deixa sem solução um sistema complexo de subsídios agrícolas e de sustentação de preços que os críticos afirmam que o governo não pode custear. O recuo também alça dúvidas em investidores sobre como as reformas econômicas correm o risco de serem minadas por pressões políticas.
Alguns especialistas em agricultura classificaram como lamentável a reversão de Modi porque a reforma agrária traria novas tecnologias e investimentos. "É um golpe para a agricultura da Índia", disse Sandip Das, pesquisador e analista de política agrícola.
"As leis teriam ajudado a atrair muitos investimentos em agricultura e processamento de alimentos – dois setores que precisam de muito dinheiro para se modernizarem."
A Confederação da Indústria Indiana (CII), um grupo que representa as principais corporações, depositou esperanças nas leis para pavimentar o caminho para modernizar a decrépita infraestrutura pós-colheita da Índia.
Além disso, o setor doméstico de processamento de alimentos, avaliado em 34 bilhões de dólares, teria crescido exponencialmente graças às legislações agrárias, de acordo com a CII. E o governo indiano alegava que a reforma do setor, que responde por cerca de 15% da economia de 2,7 trilhões de dólares do país, representaria novas oportunidades e melhores preços para os agricultores.