E todos os domingos escutava a voz fina e em tom choroso de uma mulher falando com Alcides
Onde andará o Alcides?
Esta pergunta me veio à cabeça ao caminhar pela Vila Madalena, lembrando de um tempo em que este bairro estava virando moda, mas não tinha tantos bares e restaurantes, que foram se instalando depois.
A “invasão burguesa” ao bairro começou por jovens executivos com mentalidade empresarial, em meados dos anos 1980. Foi quando começaram a construir prédios de aparência luxuosa, para vender a executivos que gostavam e gostam de se exibir.
Outro causo: Baixando Teresa
São prédios que até têm um aspecto pomposo por fora, mas os apartamentos são apertadinhos, ruins. E eles foram tomando o lugar de várias casas e, principalmente, de casinhas de fundos, que eram a marca do bairro.
Muitos estudantes e muitas famílias de baixa renda moravam nessas casinhas. E havia também alguns cortiços.
Com a chegada desse pessoal e desses prédios, muitos moradores antigos foram praticamente expulsos do bairro, que se tornou caro demais para morar.
A Célia, minha namorada, morava num apartamento de um predinho velho, de dois andares, na rua Girassol. Às vezes eu dormia lá. De sábado pra domingo, sempre.
Outro causo: Encontro não marcado
E todos os domingos, lá pelas nove e meia da manhã, escutava a voz fina e em tom choroso de uma mulher que morava numa casinha de fundos, vizinha ao prédio, falando com o Alcides, seu filho que tinha oito ou nove anos de idade.
Nunca era orientação, palavras de carinho ou elogio. Eram só reclamações, xingamentos e ameaças, sempre em tom de lamento, como se o coitado do Alcides fosse um azar na vida da mãe. Tudo era motivo para ameaçar bater nele ou pôr de castigo.
A voz dele mesmo a gente quase nem ouvia. Falava baixinho, como quem estava com muito medo.
Tínhamos pena do Alcides. Com uma mãe daquelas, que destino teria?
Num daqueles domingos, ouvimos a mulher resmungando fino e alto, mandando o filho trazer seu caderno pra ela ver. Pensei: pelo menos desta vez era uma coisa positiva, ia ajudar o menino na lição ou ver como ele ia indo na escola.
Fez-se uns minutos de silêncio e em seguida ouvimos novamente a voz chorosa da mulher:
─ Que letra feia, Alcides! Você ainda vai apanhar com essa letra!
*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Daniel Lamir