Os trabalhadores e suas organizações têm tido pouca participação no debate público sobre política industrial, apesar de serem protagonistas na indústria e produzirem regularmente reflexões sobre seu papel no desenvolvimento econômico e social do país. Queremos participar desse debate.
Por que nós, trabalhadores e trabalhadoras, defendemos a necessidade de o Brasil ter uma política industrial? A resposta vai além do óbvio e legítimo interesse em manter empregos e oportunidades de trabalho.
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A primeira razão é competitiva, quase de sobrevivência: todos os países têm política industrial para fortalecer a sua posição na economia global. O Brasil não pode competir com os produtos dessas empresas sem instrumentos que promovam o seu desenvolvimento e assegurem sua inserção qualificada na economia internacional. A pandemia mostrou como isso é crucial.
A segunda razão é afirmativa: o Brasil precisa criar novas atividades, produtos melhores e processos mais limpos para participar dos esforços contra o aquecimento global. Para isso, terá que fazer desenvolvimento tecnológico e criar vínculos do seu sistema produtivo com a ciência, alicerce de postos de trabalho melhores e mais seguros.
Essas razões dizem respeito ao Brasil e aos trabalhadores que têm no trabalho a sua única fonte de rendimentos e de perspectivas para o futuro. Incluímos aqui a maioria dos milhões de micro, pequenos e médios empresários, de todos os setores, que labutam diariamente para manterem vivos os seus negócios, contra muitas dificuldades. [Continua após o vídeo.]
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Mas há empresários e empresários. Há muitos que têm uma empresa industrial e amanhã têm um título financeiro, uma fazenda, um empreendimento imobiliário, uma aplicação em paraíso fiscal. Seu compromisso com a indústria é reduzido, com o desenvolvimento tecnológico é mínimo.
Quantas fortunas nasceram na indústria e criaram capitalistas poderosos enquanto suas empresas definhavam sem investimentos em tecnologia e inovação? A indústria brasileira produziu mais fazendeiros e pecuaristas, aplicadores e rentistas do que tecnologias e produtos inovadores de impacto. O resultado é a desindustrialização.
As políticas industriais brasileiras têm sido feitas sobretudo para essas grandes empresas, que souberam muito bem apropriar-se delas. Mas a política industrial não pode ser fonte de prosperidade pessoal e de fragilidade industrial.
Ao contrário dos capitalistas, que podem vender as suas empresas e viver confortavelmente pelo resto de seus dias e pelas próximas gerações, os trabalhadores assalariados e os pequenos empresários da indústria não têm alternativas
Os empregos baseados em qualificações, construídos por formação e desenvolvimento profissional, são as únicas formas de ocupação que permitem aos trabalhadores e às trabalhadoras alcançar alguma estabilidade e construírem perspectivas para as suas famílias.
Qual é ou quais são as políticas industriais que queremos para o Brasil?
Podemos copiar as experiências e os caminhos bem-sucedidos da Alemanha, da França, do Japão, da Coréia, da Índia e da China? Não, mas podemos nos inspirar. Dois princípios devem organizar o debate, evitando as caricaturas em que alguns críticos transformam as proposições divergentes da ideia do país primário-exportador (o fazendão).
O primeiro princípio é cristalino: política industrial não é para proteger a indústria, mas para promover seu desenvolvimento e de suas atividades conexas: elementos da cadeia de produção, ambiente econômico, capacidade exportadora, bem-estar dos consumidores e qualidade de vida.
Temos muito orgulho desse enriquecimento de perspectivas, que amplia e modifica substancialmente as considerações habituais dos documentos e opiniões dos empresários ou seus porta-vozes. Afinal, a indústria e a economia devem servir às pessoas e não servir-se das pessoas.
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Devem criar bons empregos e ocupações, promover a educação e qualificar os trabalhadores e os empresários, selar compromissos com o ambiente, recursos naturais e sustentabilidade do planeta, criar produtos que promovam a qualidade de vida e o bem-estar das famílias, projetar internacionalmente a força criadora dos brasileiros, elevar a autonomia nacional e o respeito de outras nações.
O segundo princípio que deve nortear a política industrial, na perspectiva dos trabalhadores e das trabalhadoras, é a necessidade de compartilhar a definição dos caminhos do futuro de cada setor e de todas as empresas entre todos aqueles, direta e indiretamente, relacionados à produção industrial. As empresas estão inseridas em comunidades: dependem de trabalhadores, fornecedores e clientes consumidores. Relacionam-se com poderes públicos. E vice-versa.
Por isso, os trabalhadores precisam estar envolvidos e participar ativamente da vida, das decisões estratégicas e das operações correntes das empresas. Pode parecer inusitado, mas é o que ocorre na Alemanha e na Itália, onde os trabalhadores participam por lei do conselho das empresas, estatais ou privadas, e seus caminhos são decididos de maneira compartilhada.
Os países que adotaram poder compartilhado tornaram-se mais competitivos e conhecedores do potencial e das dificuldades, e isso vale para tudo, dos sistemas educacionais aos organismos responsáveis pelo meio ambiente
Alcançaram êxito em suas trajetórias de industrialização e o setor é visto como um ativo nacional, um motor do desenvolvimento.
Além destes princípios gerais e fundamentais, a política industrial na perspectiva dos trabalhadores deve ser capaz de fazer escolhas coerentes com a sociedade brasileira, identificar os desafios e dotar-se dos meios de vencê-los e ampliar seu potencial. É na indústria que nascem as soluções tecnológicas que melhoram e tornam menos penosos os trabalhos na própria indústria, na agricultura e nos serviços. Se queremos resultados ambiciosos precisamos dotar a política industrial de meios adequados. E a voz dos trabalhadores não pode ser ignorada.
*Ivone Silva, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e Rafael Marques, presidente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, o TID-Brasil.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vinícius Segalla