Tenho tentado olhar para o que os cânones da arte não olham. Nesses lugares esquecidos, marginalizados e invisibilizados tem tanta potência que a gente nem sonha. Se olharmos para categorias da sociologia do trabalho é como se eu tivesse olhando para os trabalhadores uberizados. São aqueles que o sistema negou todo e qualquer direito de acesso ao trabalho, na minha leitura, claro. Nessas observações tenho visto é coisa, viu.
Esses dias voltando da minha análise no ônibus, já um pouco cheio, dado o horário de fim de tarde, fui surpreendido pelo Poeta dos Coletivos 088, como ele mesmo se apresenta. Estava de cabeça baixa fazendo umas publicações nas redes sociais de um festival que estou fazendo, afinal, todo canto é canto de correria para nós, trabalhadores. Quando uma voz altiva e jovem dá boa tarde e pede licença pra declamar sua poesia olho pra cima e vejo o Poeta declamando sua arte de forma corajosa, ante os olhares, ora curiosos ora desdenhosos.
Sua lírica de MC costurava palavras no ar enquanto nos arrancava, pelo menos por um minuto, da ligeireza da vida e do cansaço do dia puxado que, por motivos diversos, todos naquele ônibus sentiam. O canto ritmado daquele jovem nos deu um momento de prazer, arrefeceu o calor e as dores dos corpos cansados e docilizados daquele ônibus.
Trazia reflexões sobre arte urbana, marginalização, LGBTfobia, trabalho e tantas outras coisas em uma narrativa ligeira, algo como cinco minutos, mas que valeu uma vida. Depois o Poeta, como um típico artista de rua, passou o chapéu, na verdade seu boné aba reta, desceu na parada seguinte e foi em busca de seu próximo “busão”. Deixo abaixo um fragmento de uma das poesias desse artista barbalhense que poetiza os circulares do Cariri.
"Meu povo, o egoísmo mata!!
Vejo gente na rua andando sem máscara
Isso é preocupante, saca??
Estatística só sobem em todo o mapa
E na mente de certas pessoas não tá acontecendo nada
É o circo pegando fogo e ainda me pedem calma
Eu não quero passar n tv em uma propaganda de conscientização
Falando como fui imprudente ao facilitar a contaminação
Falando que to triste a vida na terra depois que por minha causa um parente meu está a 7 palmos do chão"
Convido vocês que me leem para se abrirem para as pequenezas da vida. Façamos como Manoel de Barros e nos inspiremos no miúdo, no sujo, naquilo que se esconde de baixo da lata enferrujada no fundo do quintal. Olhemos atentos para aquilo que está abandonado e esquecido nas cidades. Vamos permitir que uma nova sociabilidade surja entre nós.
Para saber mais sobre o nosso artista e fortalecer o corre de quem faz, basta procurar por ele nas redes sociais @poetadoscoletivos088.
*Trabalhador da cultura e militante social.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Ceará
Edição: Francisco Barbosa