Nas últimas semanas a pergunta tem sido feita repetidamente nos programas de TV e têm sido pauta também nas conversas entre amigos: vai ter Carnaval em 2022? As prefeituras do Recife e de Olinda ainda não se posicionaram oficialmente sobre o tema, assim como o Governo de Pernambuco que, para diminuir a pressão, já avisou que só terá definição sobre o tema em janeiro.
Isso se tratando das festas públicas, porque as festas de Carnaval pagas estão mantidas e devem acontecer normalmente.
Uma rápida pesquisa no Google ou em sites de venda de ingressos fica evidente que sim, haverá Carnaval – pelo menos para quem puder pagar. Há ingressos para prévias com shows a partir de janeiro (com ingressos entre R$50 e R$100) e mesmo camarotes privados para os dias de Carnaval. Os ingressos custam a partir de R$150 o dia, mas alguns chegam a superar os R$600 a diária da festa.
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Os eventos privados estão autorizados em Pernambuco, com capacidade ampliada desde a última segunda-feira (29). São permitidos eventos com público de até 7.500 pessoas, desde que isso corresponda a no máximo 50% da capacidade do local.
Em teoria os organizadores dos eventos devem exigir comprovação do ciclo vacinal completo (2 doses) para 90% dos clientes, sendo permitidos 10% de pessoas com apenas uma dose, desde que apresentem teste RT-PCR negativo realizados até 48h antes.
A expectativa é que medidas sejam afrouxadas até fevereiro. O Carnaval 2022 tem início no dia 26 de fevereiro e se estende até a quarta-feira 1º de março.
Quadro epidemiológico
Pernambuco soma mais de 640 mil casos diagnosticados de covid-19, com mais de 20,2 mil mortes. Dos 9,67 milhões de habitantes do estado, 7,69 milhões estão aptos a se vacinar (só são elegíveis para a vacinação aquelas pessoas com 12 anos de idade ou mais).
Da população apta, 74,2% está com o esquema vacinal completo. Se considerada toda a população, são 59% com esquema completo.
Mas o Carnaval é um grande atrativo turístico, de modo que os dados epidemiológicos nacionais e mesmo internacionais devem ser considerados. Os epidemiologistas consideram que o quadro só estará seguro num cenário acima de 85% ou 90% da população totalmente vacinada.
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No Brasil, 63% de toda a população está com o esquema vacinal completo. No Carnaval 2020 o Recife recebeu mais visitantes da Argentina (no momento tem 66% da população totalmente vacinada), Estados Unidos (59%), Portugal (86%), França (70%) e Alemanha (69%).
Uma medida importante seria o controle de entrada de turistas nos aeroportos e o monitoramento destes, mas o governo federal já declarou publicamente que não pretende adotar tais medidas.
Na última semana de novembro o estado de Pernambuco estava com médias de 280 novos casos por dia e de 8 mortes diárias por covid. Mais de 90% dos casos ativos são da variante Delta, com uma minoria de casos da variante Gamma.
Ainda não há casos notificados no estado da variante Ômicron. O governo do estado aguarda avanço da vacinação e torce para que isto garanta a proteção contra novas ondas e variantes, portanto só tomará a decisão sobre o Carnaval em meados de janeiro de 2022.
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Em entrevista no último dia 25, o secretário estadual de saúde, André Longo, lembrou que os locais com maiores taxas de vacinação apresentam menores números de casos e mortes por covid.
Ele lamenta que Pernambuco tem mantido um número elevado, próximo de 600 mil pessoas, referente às que tomaram apenas uma dose e estão com a segunda pendente. Os parcialmente imunizados são 20% dos novos casos e 17% dos novos óbitos.
Longo garantiu que manterá a obrigatoriedade de uso de máscara em espaços abertos ou fechados, por considerar que o cenário ainda não é seguro. Ele menciona ainda que no fim de fevereiro e início de março, período em que pode ocorrer o Carnaval 2022, é justamente o período sazonal de doenças respiratórias em Pernambuco.
Mas o secretário diz não ter pressa para tomar decisão sobre os festejos, o que só deve ocorrer em 2022, “com maior suporte possível da ciência”.
Na mesma coletiva, o secretário de Planejamento e Gestão, Alexandre Rebelo, tentou ser otimista lembrando que em 2020 já estava se observando o cenário da covid na Europa, mas o Carnaval foi realizado e a doença só chegou ao Brasil em março.
O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a Secretaria Estadual de Cultura e com a Prefeitura do Recife, que não nos responderam.
Réveillon é “evento-teste”
O Recife, como outras capitais do país e outros municípios de Pernambuco, anunciou que não haverá festa ou shows públicos, apenas a queima de fogos. Mas festas privadas estão permitidas e devem acontecer normalmente, dentro dos limites de público (que no momento é de 7.500 pessoas).
Mesmo para quem não vai aos eventos pagos, os festejos de fim de ano também promovem grande deslocamento de pessoas no país, com viagens, reuniões de famílias e amigos, cujo impacto epidemiológico só poderá ser observado a partir da terceira semana de janeiro.
Por isso muitos órgãos têm adiado para janeiro a decisão sobre a realização ou não do Carnaval. E há um esforço para que pessoas que tomaram apenas uma dose completem seu esquema vacinal até 20 de dezembro, reduzindo o impacto das festas de fim de ano.
A Prefeitura do Recife montou um grupo com os executivos de Salvador (BA), Rio (RJ) e São Paulo (SP) para tomar uma decisão conjunta sobre o Carnaval no Brasil. Em nota enviada à reportagem, a Prefeitura de Olinda (PE) disse estar mantendo reuniões com as secretarias de Cultura e de Saúde sobre o tema.
A nota diz haver três cenários possíveis: não haver Carnaval público; haver Carnaval, mas com controle de acesso exclusivo para imunizados; ou ainda a realização plena da festa, desde que 90% dos brasileiros estejam com o esquema vacinal completo (no momento são 63% e há 12% com apenas uma dose).
Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, Maria de Fátima Militão, médica epidemiologista, mestra (UFPE) e PhD em Saúde Pública (Fiocruz/RJ) afirma que “estamos numa situação boa, mas isso não nos traz uma garantia para uma aglomeração, haja vista o que está acontecendo na Europa".
Fátima Militão menciona os “bolsões de negacionismo” e a nova variante Ômicron para avaliar que “não faz sentido termos Carnaval no Brasil”. Ela estende a negativa também para as festas privadas, “para evitar um possível lockdown que piore ainda mais a situação econômica do estado”.
Em Pernambuco, a Academia Pernambucana de Ciências (APC), a academia de Medicina (APM) e o Conselho Regional de Medicina (Cremepe) já se posicionaram contrariamente à realização de Carnaval em 2022.
“Se chegarmos ao Carnaval com 85% ainda não é garantia de que podemos aglomerar”, considera. “Acho que adiar a decisão é mais uma decisão política do que epidemiológica. Não acho que o cenário vá mudar”, diz a doutora, admitindo certo pessimismo.
Militão chama atenção para o fato de que a variante Ômicron tem capacidade de transmissão maior inclusive que a Delta e critica a qualidade da vigilância genômica realizada no estado. “Diante de tantas incertezas, não tem cenário possível. Só existe cenário para que o bom senso seja exercido e que as pessoas entendam que não é momento para Carnaval”, conclui.
“Carnaval esquisito”: vereadores debatem possibilidades
A Câmara Municipal do Recife instalou, no último dia 30, uma comissão especial para discutir a realização dos festejos de Carnaval e São João em 2022. O grupo é presidido pelo vereador Marco Aurélio Filho (PRTB) e conta ainda com os vereadores Ivan Moraes (PSOL), Marcos di Bria (PSB), Chico Kiko (PP), Alcides Cardoso (DEM), Ana Lúcia (Republicanos) e Tadeu Calheiros (Podemos).
O vereador do Recife e brincante Ivan Moraes (PSOL) considera que a reabertura das atividades foi acelerada, o que pode ter impedido um cenário epidemiológico melhor. Mas considera que há, sim, possibilidade de realização de Carnaval em 2022.
“É irresponsável dizer que vai ter carnaval de todo jeito, mas também é irresponsável dizer que não pode ter carnaval de jeito nenhum. Naturalmente o Galo da Madrugada, o Homem da Meia Noite, o Carnaval tradicional de Olinda, essas grandes aglomerações, são atividades que ‘subiram no telhado’”, pondera.
O vereador destaca a pluralidade dos festejos. “Quem não conhece, pensa logo nas grandes aglomerações. Mas o Carnaval é diverso. Será que não dá para ter um desfile de maracatu? Será que não é viável espalhar orquestras de frevo pela cidade? Vale a pena pensar sobre isso”, avalia.
“Se as autoridades sanitárias concordam que é seguro fazer show para 7 mil pessoas num lugar fechado, é preciso encontrar alternativas para que o Carnaval possa acontecer em locais abertos”, provoca o parlamentar.
Ivan Moraes critica a possibilidade de “só poder festas de rico” e pede criatividade aos responsáveis.
“É preciso algumas medidas sanitárias e decisões políticas para que sejam possíveis festejos em bairros ou em blocos menores, com barreiras sanitárias por exemplo”, diz ele, mencionando barreiras sanitárias em aeroportos e rodovias.
“Precisamos decidir como é que vai ser esse Carnaval esquisito, diferente. Se a gente disser que vai ser só Carnaval de clube, significa que estamos topando privatizar o Carnaval deste ano. Eu acho isso problemático e atenta contra a identidade do nosso Carnaval”, alerta.
O vereador considera que o momento para se tomar a decisão é o fim de janeiro ou início de fevereiro, mas cobra que o governo estadual e a Prefeitura do Recife “estejam preparados para todos os cenários”.
“Seja para as contratações do Carnaval, seja para – numa alternativa pior – ter que fechar tudo por causa da nova variante. O poder público tem que se preparar e os blocos também têm que se preparar”, afirma, mostrando otimismo.
E caso haja carnaval de rua, o poder público precisa começar a preparar o quanto antes. “Estamos há um ano e meio com pandemia, já deu para pensar possibilidades. Mas em cima da hora fica mais fácil cancelar do que organizar”, diz ele, lembrando as licitações, editais e contratações. “Isso em cima da hora, não dá”.
Ivan Moraes reforça o papel do Estado em preservar a cadeia produtiva do Carnaval, mesmo não havendo festejos. “Se for decidido que não terá aquele Carnaval público, pelo menos os recursos precisam ser revertidos para a cadeia produtiva do Carnaval”, defende.
“Porque quando resolver fazer Carnaval, a gente precisa que os maracatus estejam vivos, os caboclinhos, os clubes de frevo, os maestros, as orquestras, as costureiras estejam lá. Isso precisa ser pensado de agora”, defende.
A comissão se reuniu na última quinta (2) com artistas e outros representantes da cultura. Nesta segunda-feira (6) o grupo se reúne com representantes do comércio formal e informal; e na quinta-feira (9) o encontro será com representantes das câmaras de vereadores de outras cidades que realizam carnaval, com participação de Vinicius Castello (PT, Olinda/PE), Cláudio Tinoco (DEM, Salvador/BA), Tarcísio Motta (PSOL, Rio de Janeiro/RJ), Elizeu Gabriel (PSB, São Paulo/SP), Julio Brizzi (PDT, Fortaleza/CE) e Marcela Trópia (Novo, Belo Horizonte/MG).
Na segunda-feira (13) a comissão se reúne com sanitaristas e na quarta-feira (15) em audiência pública com representantes da Prefeitura do Recife. E no dia 21 de dezembro, data em que os parlamentares entram em recesso, a comissão deve apresentar um relatório preliminar à Prefeitura.
Até o momento a Câmara do Recife não aprovou quaisquer medidas sobre o tema, mas há um requerimento da vereadora evangélica e bolsonarista Michelle Collins (PP) pedindo que a Prefeitura não realize a festa.
Sobre o tema, Ivan considera oportunismo a posição de parte dos bolsonaristas neste momento. “É um discurso travestido de sanitarista, mas que na verdade é moralista. São as mesmas pessoas que brigaram pela reabertura das igrejas. Na verdade, estão se aproveitando da situação para tentar proibir um festejo que eles gostariam que não existisse”, opina.
Bolsonaristas e um Carnaval de contradições
Apesar de o Carnaval do Recife e de Olinda normalmente só terem suas programações divulgadas no fim de janeiro, há desde novembro uma grande pressão sobre a realização ou não da festa. O curioso é que a pressão surgiu principalmente a partir de canais de comunicação “bolsonaristas” e seus militantes.
Nos carnavais de 2019 e 2020 o presidente Jair Bolsonaro foi alvo de sátiras, críticas e cantos durante os dias de festa. Em resposta, Bolsonaro adotou postura de atacar o Carnaval em si, festa que leva para as ruas alguns dos principais símbolos e manifestações culturais do Brasil.
Grande parte da “base” de apoio de Bolsonaro na sociedade é composta por adeptos do cristianismo protestante, com maioria crítica aos festejos de Momo.
Outro possível motivo que levou o bolsonarismo a iniciar uma campanha contra o Carnaval é o fato de que a imagem do presidente da República sofreu grande desgaste durante a pandemia de covid.
Chegar à eleição de outubro de 2022 sem ter vencido a pandemia pode contar negativamente para Bolsonaro, por isso a não-realização do Carnaval e o controle da pandemia é importante para o grupo.
A campanha dos bolsonaristas soa um tanto contraditória, visto que desde o início da pandemia Bolsonaro foi contrário ao fechamento do comércio e paralisação de atividades, tendo ele próprio realizado aglomerações e estimulado o contágio como forma de provocar uma “imunização de rebanho” o quanto antes.
Bolsonaro, assim como grande parte das lideranças evangélicas, defendeu a reabertura das igrejas ainda em abril de 2020.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga