Publicação recém-lançada destaca a experiência paranaense
Por Adriane Canan, com colaboração de Diangela Manegazzi*
A história da agroecologia no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) de Marechal Cândido Rondon ganhou publicação especial lançada nesta semana pelo Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa), que atua desde o final dos anos 1990 no município situado no oeste paranaense. Uma história que possui o protagonismo de diversas entidades e envolve muitas pessoas. Entre elas, a Jaciara Reis Nogueira Garcia, uma das nutricionistas que trabalham na Secretaria Municipal de Educação. Ela nasceu e cresceu em “cidade grande” e, por muito tempo, trabalhou em empresas, sem nenhum contato com a agricultura familiar e camponesa. Muito menos com a agroecologia.
Quando passou no concurso para nutricionista em Rondon, em 2012, começou a perceber que a vida ia mudar. “E mudou, eu sou outra pessoa! Mergulhar na agroecologia, pensar a alimentação saudável e o nosso papel como nutricionista no Programa Nacional de Alimentação Escolar, conviver com agricultoras e agricultores, conhecer os processos de produção orgânicos e agroecológicos... Tudo mudou a Jaciara dali pra frente”, conta ela. E mudando a Jaciara, impactou diretamente na gestão da alimentação escolar, com o avanço do envolvimento das agricultoras e agricultores, das cozinheiras das escolas, das/os alunas/os e de suas mães e pais.
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Além do histórico de atuação do Capa e do percurso de muitas famílias agricultoras na produção orgânica e agroecológica, o município acumulou uma boa experiência de protagonismo da sociedade civil na execução do PNAE, favorecida pela mediação da Associação Central dos Produtores Rurais Ecológicos (Acempre) no diálogo da Prefeitura Municipal com as/os produtoras/es. Esses fatores, mais a abertura das nutricionistas responsáveis por pensar o cardápio dentro da proposta de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), levaram à aprovação da Lei Municipal 4904, em 2016, e ao Decreto Municipal 338, em 2018, que instituíram no município de Marechal Cândido Rondon a obrigatoriedade da aquisição de alimentos orgânicos e agroecológicos para escolas. Uma conquista bastante coletiva que avança ainda mais em 2018 com a elaboração do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, estabelecendo a meta de 100% da Alimentação Escolar Orgânica em 2021.
Conforme aponta a publicação “Experiência de Marechal Cândido Rondon na alimentação escolar orgânica”, que pretende ser um instrumento de socialização da iniciativa com outros municípios do país, “essa legislação municipal está alicerçada em três condicionantes para sua efetivação: o protagonismo da agricultura familiar e camponesa como produtora de alimentos saudáveis; a agroecologia como ciência e projeto de produção sustentável; e a educação para o consumo responsável, valorizando os produtos locais e regionais e servindo como processo educativo e pedagógico a ser trabalhado no âmbito da comunidade escolar”. A publicação pode ser acessada na íntegra aqui.
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A situação atual da Lei Municipal 4904/2016
De acordo com Jhony Alex Luchmann, do Capa, apesar do avanço e da previsão de que em 2021 se chegasse à execução plena da Lei dos Orgânicos em Rondon, vieram obstáculos causados por três anos com estiagem e também as consequências da pandemia da covid 19. “Em 2021, chegamos a mais de 75% de compra de produtos orgânicos, via Acempre, para distribuição nas escolas. O Capa, em parceria com a Acempre e a Prefeitura Municipal, está trabalhando para fortalecer essa política pública. Contudo, ainda são necessárias ações mais amplas para fortalecer a produção orgânica e agroecológica no município”, aponta Luchmann. Um dos objetivos é construir um Plano Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica, com ações que busquem ampliar a produção, a agroindustrialização e a comercialização de produtos orgânicos e agroecológicos em Marechal Rondon e região. O Capa vem apontando essa necessidade de avançar nos incentivos para estruturar ainda mais a produção de orgânicos. “A lei existe e, no momento, precisamos proporcionar condições para que essa política pública atinja a integralidade da alimentação escolar rondonense ”, explica Jhony Luchmann.
Diálogo constante entre campo e cidade, gestoras e organizações da sociedade civil
A engenheira florestal Raquel Rossi Ribeiro, técnica do Capa e que hoje é assessora da Acempre no processo de comercialização e programas institucionais, explica que uma questão importante é estabelecer diálogos contínuos entre as duas pontas, as/os agricultoras/es e as gestoras, construindo metas possíveis e de avanço na SAN, adaptando o cardápio à produção de cada período e avançando. “Eu e Jaciara conversamos toda semana, é muito importante para a segurança, qualidade dos produtos e também para que as nutricionistas saibam o que está acontecendo no campo, entendam o andamento da produção”, conta. Atualmente a Acempre tem 81 famílias associadas. Destas, 41 participam do Pnae Municipal. “Temos grupos: aquelas que produzem hortaliças e frutas, as que possuem as agroindústrias e produzem as farinhas, cereais, os panificados, doces de frutas e as que fazem polpa de frutas…Grande parte das famílias já é certificada pela Rede Ecovida e outras estão em processo de transição acompanhada para certificação participativa”, explica Raquel Ribeiro.
Outro ponto que a assessora da Acempre aponta como importante é que, em Rondon, os 30% a mais sobre o valor do mercado de produtos convencionais, previsto na legislação do Pnae, são integralmente aplicados na compra da produção orgânica para as famílias já certificadas. Para as famílias em transição que possuem acompanhamento técnico, o acréscimo é de 10%. “Funciona como um incentivo a mais para as famílias, com certeza. A lei diz que deve ser até 30% a mais, e alguns municípios usam essa brecha do ‘até’ para não chegar ao total. Aqui em Rondon já garantimos que seja 30% mesmo”, aponta.
E como a Raquel citou a Jaciara, uma das nutricionistas da Secretaria de Educação de Rondon, a gente volta a ela, pois a história é boa e traz muitos elementos que podem inspirar gestoras e gestores da alimentação escolar. Uma das ações da nutricionista logo que chegou na prefeitura foi conversar com as cozinheiras e promover mudanças paulatinas no cardápio, acrescentando mais frutas, verduras e receitas novas. Mas não sem diálogo. Aliás, o diálogo se estabeleceu para além da relação nutricionista e cozinheiras. Muitos encontros entre elas e agricultoras e agricultores aconteceram lá na roça, lá onde se planta e se colhe produtos saudáveis, agroecológicos e orgânicos. Muitas receitas foram trocadas entre as cozinheiras escolares e as agricultoras. A relação campo-cidade construída pela agroecologia como projeto para um futuro com segurança alimentar e nutricional e dignidade.
*Adriane Canan é comunicadora popular da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA); Diangela Menegazzi é assessora de comunicação do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa).
**Acompanhe a coluna Agroecologia e Democracia. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de diálogo e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em iniciativas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de sistemas alimentares. Leia outros artigos.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo