Saúde

Baixa testagem impede Brasil de mensurar exata transmissibilidade da ômicron, diz pesquisador

Ainda não há um número oficial no país sobre a quantidade de infectados pela nova variante

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Os números altos de infectados e baixos de óbitos na África do Sul indicam que a ômicron pode ser mais transmissível, mas não tão letal quanto as outras variantes já existentes - Emmanuel Croset /AFP
Com o número baixo de testes no Brasil, não é possível mensurar o aumento do número de casos

De acordo com um anúncio desta quinta-feira (9) feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na África do Sul, os diagnósticos de covid-19 na região aumentaram em 255% na última semana. Não se sabe, no entanto, quanto deste percentual se refere à infecção pela variante ômicron. Os registros de óbitos, por sua vez, continuam baixos. Hoje, a média móvel de mortes, que já chegou a 419, é de 23,86.  

No Brasil, devido à baixa testagem, não há um número oficial, nesta sexta-feira (10), da quantidade de infectados pela nova variante. Segundo Julio Croda, médico Infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com o número baixo de teste no Brasil, não é possível mensurar exatamente a transmissibilidade e a letalidade da nova cepa.  

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Os números altos de infectados e baixos de óbitos na África do Sul indicam que a ômicron pode ser mais transmissível, mas não tão letal quanto as outras variantes já existentes, como a delta e a gama. Mas, segundo cientistas e organizações médicas, os dados existentes ainda não são suficientes para bater o martelo. 

“Com o número baixo de testes no Brasil, não é possível mensurar o aumento do número de casos, ou seja, se há maior transmissibilidade. Se a gente monitora só casos hospitalizados e óbitos, a gente perde oportunidade de propor, por exemplo, a expansão de leitos hospitalares”, ressalta o pesquisador da Fiocruz.  

Fim de ano, inverno amazônico e baixa testagem 

Em sua explicação, o infectologista traz como exemplo o caso de Manaus. “A gente não testava suficientemente lá e quando viu houve a explosão de internação e a falta de oxigênio.” 

“A gente não consegue se antecipar a esse aumento de casos, principalmente nas regiões que têm baixas coberturas. Me preocupa muito as regiões Norte e Nordeste, porque a gente sabe que existe a sazonalidade desse período, principalmente na região Norte, o inverno amazônico. É a época de chuva onde as pessoas tendem a ficar mais dentro de casa, e foi justamente nessa época, entre dezembro e janeiro, que houve em Manaus com o surgimento da gama”, afirma Croda. 

O pesquisador acredita que será possível identificar algum movimento da nova variante somente daqui a três a cinco semanas. Mas, se não há um monitoramento desse processo desde já, “fica muito difícil fazer projeções para o futuro e fazer o planejamento adequado”. 

Outro ponto de preocupação é que a nova variante apareceu pouco antes das festas de final de ano, quando há maiores aglomerações e, portanto, maiores riscos de transmissão. “Com a chegada da ômicron e as festas de final de ano, há maior chance de infectar quem previamente já foi exposto, quem não foi exposto e quem não tomou vacina”, explica o infectologista. 

Sem passaporte vacinal 

O cenário é agravado pela decisão do governo federal de recusar a recomendação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) de cobrar o comprovante de vacinação contra a covid-19 para a entrada de viajantes no Brasil, tendo em vista a descoberta da nova variante. O governo decidiu adotar apenas uma quarentena de cinco dias para viajantes não vacinados.   

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Um estudo feito pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), a pedido do portal UOL, mostrou que oito a cada 10 pessoas que morreram por covid-19 no Brasil não tomaram nenhuma dose de vacina contra a doença.  

Desde março deste ano, quando a segunda dose começou a ser aplicada, a quantidade de óbitos diminuiu em 94%. De 306.050 brasileiros que faleceram devido à doença, 243 mil não tomaram nenhuma dose. O número representa 79,7% dos óbitos. 

Presente de Natal é a vacinação global 

Nesta semana, ganhou espaço nos noticiários a posição do epidemiologista Karl Lauterbach, futuro ministro da Saúde da Alemanha, que afirmou que a nova variante pode ser um "presente de Natal antecipado", devido ao baixo índice de mortes registrados até o momento após a descoberta da nova cepa. A ideia ganhou apoio de outros especialistas conhecidos internacionalmente como Anthony Fauci, principal conselheiro do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. 

Mas para o médico infectologista Alexandre Padilha, deputado federal (PT-SP) e ex-ministro da Saúde nos governos petistas Lula e Dilma Rousseff, essa ideia é “absurda”, porque “despreza o sofrimento do continente africano, que é quem mais está sofrendo com essa nova variante, e despreza o impacto que ela tem na retomada das atividades econômicas das pessoas em todo o mundo”. 

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“Presente de Natal é o mundo inteiro vacinado. Essa fala tem a mesma lógica de quem acha que a imunidade de rebanho vai ser conquistada infectando as pessoas. Presente de Natal é um mundo vacinado. Presente de Natal é a gente ter capacidade de identificar rapidamente qualquer variante, para não ter mais pessoas infectadas, mais pessoas sofrendo”, afirma. 

Para Padilha, a ômicron reafirma o “óbvio: enquanto o mundo não estiver vacinado, novas variantes vão surgir, porque elas estão surgindo exatamente nos países com baixa cobertura vacinal ou entre os povos não vacinados”. 

 “Enquanto a gente não resolver o problema de vacinação no mundo não tem controle da pandemia, porque a pandemia não é controlada num país isoladamente”, finaliza Padilha. 

Edição: Anelize Moreira